Dois contos de Isa Nahas
“Meu nome é Isa Nahas, tenho 18 anos sou estudante de jornalismo. Moro na cidade agitada de São Paulo e faço histórias desde antes de me conhecer por gente. Comecei contando para os meus colegas de turma, como se fosse uma contadora de histórias, quando era bem pequena, e hoje não consigo largar o papel e a caneta (ou, hoje em dia, o teclado), tanto pra fazer poesia quanto contos. Minhas experiências e vontades estão sempre muito presentes no que eu escrevo, então minhas obras são parte de mim. Além de escrever, eu também gosto muito de ouvir música e ir no bar!
Os textos a seguir são alguns contos do meu projeto de livro Contos nunca contados”
***
Esmeralda
Naquele dia, eu havia acordado por volta das 8 horas. O dia estava levemente chuvoso, de forma que ainda eram emitidos alguns raios de sol. O barulho do ônibus me fez abrir os olhos e levantar. Abri as cortinas da janela do quarto, deixando a luz suave entrar e iluminar o cômodo, o qual possuía tons de cinza a branco.
Uma calmaria invadia meu peito. Nenhum sinal de angústia, ansiedade ou inquietação dominavam meu corpo. Era como se eu estivesse flutuando. Acendi meu incenso de maçã, tomei um banho morno e fiz um café da manhã com pão, queijo e café. Coloquei alpiste no pote onde os pássaros que rodeiam meu bairro passam para alimentar-se, saí de casa e caminhei em direção ao meu trabalho: uma floricultura.
O expediente começou movimentado. A loja não esvaziava nem por um segundo: quando um cliente saia, outros dois entravam. Os estoques foram ficando cada vez mais vazios, até que as plantas mais cobiçadas foram gradativamente sumindo das prateleiras e o fluxo de compradores foi diminuindo. Num certo momento, ninguém mais apareceu, o que me fez pensar que, por consequência, ninguém mais entraria, até porque já era tarde. Mas eu me enganei.
Às 22 horas, uma garota entrou, usando calça jeans, camiseta preta e uma bandana azul, que me chamou atenção. Não pediu assistência, simplesmente ficou a olhar as flores das prateleiras, como se soubesse exatamente o que queria. Na sessão já quase esgotada dos girassóis, ela parou, olhando para o único vegetal que permanecia intacto.
– Essa está verde e não vai amarelar, cresceu com defeito. Não quer outra? Temos algumas guardadas e amanhã as prateleiras estarão cheias novamente. – Disse eu.
Não obtive resposta. A moça tirou um papel e uma caneta do bolso, escreveu algo e deixou, junto com o dinheiro, no lugar onde ficava o vaso. Saiu correndo. Naturalmente, fui pegar o bilhete para ver o que estava escrito. Surpreendi-me. Em letras cursivas e belas, redondas como pétalas, jazia em tinta:
“Escolhi tal flor pois ela tem a cor de uma esmeralda, assim como seus olhos.”
Com aquele papel na mão, eu decidi que o resto do meu destino seria baseado em encontrar aquela que escreveu a cartinha.
Após alguns segundos em congelamento, fui correndo em direção à porta para falar com a moça, mas ela não estava em nenhum lugar daquela rua. Nem da esquina. Nem da esquina da esquina. Nem do mais longe dos longes. Os minutos, as horas e os dias iam se passando, mas nada da donzela. Me alimentei somente do desejo de encontrá-la, do anseio de tocar em suas mãos e em seus cabelos. Nada me impediria de alcançá-lo. Abandonei meu lar, meu conforto e minha paz, pois eu nunca acharia-os novamente com o peso de não ter o meu apetite satisfeito. O que me deixara perdida não fora a longitude daquilo que antes fora minha casa, mas sim o afastamento do que eu queria e a incerteza do futuro. Talvez nosso encontro estivesse marcado para o infinito, talvez para amanhã, ou para o próximo segundo. Eu só saberia após o ocorrer do acontecimento.
Um mês passou-se. Meu caminhar seguia tão constante quanto no instante em que comecei a minha busca. Como num milagre bíblico, de repente, um senhor de barba branca, bigode handlebar e macacão preto sujo de tinta lançou-me um olhar arregalado. Seus óculos redondos deslizaram para baixo e, enquanto tentava ajustá-los, ele correu em minha direção, gritando:
– Ei! Você aí! Pera aí! – Olhou para trás – Filha, vem ver! É igual a pessoa da esmeralda que você me descreveu!
Então, depois de 730 mil horas, eu parei. Era muita coincidência para não ser verdade. Atrás do velhote, organizando frutas em uma barraca de feira com um girassol verde de enfeite, lá estava a mulher de bandana azul, que contrastava com seus brilhantes cabelos pretos. Fiz força para correr em direção à ela, mas não consegui. Meus passos eram lentos, pois era como se um peso estivesse tentando me manter na mesma posição. Ela me encarava com um sorriso chamativo e encantador, mas eu não conseguia sequer me mover direito.
De repente, meu mundo começou a se apagar num movimento de vinheta. Olhei para minhas mãos, que estavam se tornando invisíveis. Tentei gritar, mas minha voz não saía. Em instantes, tudo virou nada e, antes que eu perdesse completamente minha suposta consciência, um pensamento conclusivo me passou à cabeça, enchendo meu pulmão de angústia naqueles últimos períodos de existência.
Aquele era um sonho,
O sonho de Esmeralda.
E eu era o sonho,
Um sonho morto.
*
Citrino
Não gosto que me chamem pelo meu nome. Pedro não tem majestia. Refira-se a mim como Major II. Exijo, sim, tal reverência, pois sou o homem mais rico de meu monopólio, graças ao meu mérito de ter estudado na maior universidade da região, paga pelo meu pai, Major I.
Você deve estar se perguntando de onde vem toda esta riqueza. Bem, a resposta é simples: das guerras. Com elas, conquisto territórios repletos de minerais. Não, o poder não vem deles, já que, numa linha do tempo, primeiro é preciso guerrear e, depois, lucrar. Mas tudo bem se você não concordar, tenho a noção de que a maior parte das pessoas não têm um raciocínio tão elevado quanto o meu.
A melhor pedra, que eu faço questão de ter e guardar no teto, acima do meu trono para que ninguém roube, é o Citrino. Oh! Sua cor avermelhada como o Sol, seu cheiro férrico e seu brilho capaz de cegar almas me deixam em uma excitação incontrolável. Eu daria meu monopólio inteiro em troca de todas as tais rochas que estiverem disponíveis no mundo, só para admirá-las, ou viveria uma vida sendo somente delas, para elas, com elas… Oh!
Sim, meu caro, todos temos uma razão de viver. Para alguns a arte, para outros o emprego, os filhos, enfim… tantas possibilidades! E mesmo assim, pasme, mesmo assim a população me julga. Me chamam de impertinente, egoísta, intolerante e até de ignaro! Justo eu, o qual teve a melhor educação do reino. Ingratos! É graças ao meu trabalho, às minhas ordens e à minha sabedoria que podemos garimpar e ter acesso a tantas riquezas que, além de belas, atraem sorte e prosperidade. E ainda reclamam de fome!
Posso provar que estes sem-vergonha não passam fome coisa nenhuma. Veja só: todo dia eu recebo sete refeições com diversos alimentos, como carnes, vinhos, sementes, grãos e frutas, todos vindos de nossas vastas regiões férteis e prósperas com plantações e pecuária o ano todo. Não há como ficar sem comida neste monopólio! Até mesmo meus amigos próximos comem o mesmo que eu. Ingratos!
Acabo de receber uma carta, por isso tanta irritabilidade. Tinha de desabafar em algum lugar, então resolvi escrever-te. Todas elas têm algum desses temas que citei, com xingamentos e propostas fúteis e sem sentido, as quais são chamadas de “humanitárias”. E não sou eu humano também? Inúteis! Me arrependo até hoje de ter assinado aquela promessa, desgraçada, de que tenho que ler todas as correspondências que a população envia. Perco o tempo que eu poderia estar usando para acumular mais preciosidades e gerar mais prosperidade! Asnos!
Enfim, abro o papel recebido. Ouço o barulho de um objeto caindo no chão, olho para baixo e imediatamente identifico-o. É o Citrino. Pego-o rapidamente. A sensação que passa pela minha mão e percorre toda minha pele é tão surreal que chego a estremecer e lacrimejar. Suspiro. Fico alguns minutos aproveitando o prazer.
Desculpe-me, esqueci de abrir a tola carta.
Olho para a pequena folha. As letras percorrem-na em uma única reta contínua e concisa, diferentemente das outras, que geralmente vinham tremidas e tortas. “Rei, hoje vossa majestade é um homem morto por vosso amor”. Mais um xingamento. Belas palavras, bela metáfora, mas tão igual quanto as outras, pois possui o mesmo objetivo de me aborrecer, mas com charme, penso comigo mesmo. Bela tentativa. Continuo a leitura: “Olhe para cima”. Instintivamente, olho, é claro.
Oh, meu amigo…
um estrondo… MALDITOS!
e a escuridão.