Dois minicontos de Alice Silva
Alice Silva nasceu e mora em Manaus, tem 26 anos, é licenciada em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e mestranda na área de Letras e Artes pelo PPGLA-UEA. Tem contos e poemas publicados em coletâneas nortistas, como no Te Conto em Contos (2021) e no Literamazônicas (2021). É integrante da coletiva @papel.mulher, que lambe as cidades com a palavra de mulheres. Acredita no poder da escrita criativa e na importância de assumir e reivindicar espaços enquanto mulher, feminista, bissexual e pesquisadora.
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A mesma hora
Era o último dia, aquele que anunciava o intervalo, a pausa, o preferido. Tudo ao redor indicava que havia chegado a hora, a mais esperada, prazerosa e apreensiva hora. Os rostos cansados, os olhos atentos, o aperto no pequeno corredor de passageiros, a parada, os passos firmes e certos, o caminho escuro, silencioso e deserto. O mesmo caminho, a mesma hora, a mesma vontade: chegar. E ao girar a chave da porta, tudo ficava para trás, não havia mais escuro, nem frio, nem medo. Estava sã, estava salva, chegava ao lar.
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O mesmo lugar
Uma fresta. Era apenas este espaço que ela tinha disponível para olhar através. Uma abertura estreita que permite a passagem de ar e luz. Ela não sabia a definição da palavra no dicionário, mas era isso que era. Ela não sabia muita coisa, só conhecia aquele espaço, o mesmo lugar, com os mesmos cheiros, os mesmos gostos, os mesmos sons, as mesmas sensações, os mesmos medos. O indivíduo que vinha trazer-lhe comida e água, vinha todos os dias, nos mesmos horários. O seu espaço era estreito e alto, de cima dele ela via todo o grande espaço ao redor em que o pequeno espaço dela estava. Grande, mas sem novidade. Grande, mas sem movimento. E ela pequena, em um espaço pequeno, sem mais ninguém neste espaço.