Dois poemas de Gustavo Racy
Gustavo Racy (1988) é natural de São Paulo. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade da Antuérpia, é também fotógrafo amador, aikidoka e escritor. Apaixonado pelas letras, escreve em surtos esporádicos que se intercalam ao click fotográficos. Recentemente publicou tradução inédita de alguns poemas do poeta expressionista flamengo Paul Van Ostaijen, tendo também sido premiado no Primeiro Concurso Internacional de Poesia Casa de Espanha (RJ) e no Prêmio Cultural Japan, ambos em 2015.
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Tríptico Social
I.
Filiados aos partidos
Vão, vêm e ficam.
Na imanência
Da ordre du jour.
Isto e aquilo,
Reivindicam os
Apartidários inúteis,
Da dita época dura.
Contra isto e aquilo,
Contra a doce ilusão,
Do poder cego ou
Da vontade da boa ação.
Um trágico sentimento
Aflora nele contra,
Isto e aquilo.
Pobre, pobre povo.
*
II.
Doravante estão proibidos:
Insatisfações,
Descontentamentos,
Reivindicações,
Os manifestantes serão:
Presos,
Fichados,
Linchados,
Currados.
Passam-se os anos
Onde canta o sabiá,
O povo quando gorjeia,
Não gorjeia como lá.
Não há pássaro canoro,
Não os deixam voar,
E também se os deixassem,
Prefeririam tombar.
Sabem o que é melhor,
À nação de esfarrapados,
Mas no silêncio da noite,
Queremo-los derrotados.
Três vivas,
Ao Jeca-tatu.
*
III.
Entre o por
E o nascer
Do Sol.
Reza
A mulher do
Operário
Separando,
Grãos de feijão,
Reza.
Um rosário,
lavado para o almoço.
*
Saudades das cidades que desconheço
Saudades das cidades que desconheço
E daquelas que ignorei.
Saudades das terras que não conhecerei
E das línguas que não falarei.
Saudades da língua redimida,
Da língua como o sangue e o barro
Saudades da língua que fez minhas pernas
E meus braços e meus dedos longos
Como alephs. E de minha cabeça,
Meu nome.
E que saudades do tempo da terra,
Que é o ritmo do meu corpo.
E que saudades do tempo, correndo na língua
Da terra em que o tempo passa.
Quando eu nasci, ninguém me visitou.
Só o tempo. E a língua,
E a saudade à espera.