Dois poemas de Íris Ladislau
Íris Ladislau (MG, 1994) é escritora, poeta e editora. É a idealizadora da editora independente Margem e autora dos livros Eu não sou a protetora das coisas frágeis (Penalux, 2021) e Memória Jovem: livro de memórias da Moradia Universitária da UFMG (Margem, 2020). Participou das antologias Do que ainda nos sobra da guerra: e outros versos pretos (Ipêamarelo, 2021) e Contos fantásticos: um convite à fantasia (Editora Expressividade, 2021). Seu próximo livro, Réquiem ou O sopro de Vênus, será lançado em 2021, pela Urutau. Publica contos e crônicas em Contos Voláteis.
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In
O tempo não tem piedade da memória
e ainda sim tento agarrar um momento como se fosse sólido
me contento ao vê-lo se esvoaçar ao léu
Mesmo não podendo enxergar o fim
vendo só distância
continuamos andando
às vezes correndo
em direção ao Outro
Uma vez conhecida, a solidão é excelente anfitriã
ser abrigado por ela
é como morder um pedaço de romã
que cria um elo inquebrável
sempre nos puxando de volta ao abismo
No entanto
estamos sempre buscando ninhos
quantas vezes cairá, passarinho?
Quantos passarão?
Estamos sempre desesperados
por algo que possamos agarrar com a mão
mas somos rarefeitos e ansiamos pelo abstrato
procuramos preencher
de união, o substrato
como colônia imperiosa para crescer
Estamos sempre fugindo
do que não podemos escapar
da semente do caos
das barreiras intransponíveis que nos envolvem
Estamos sempre calando vozes
sem perceber que a verdade também não é concreta
é multifacetada
tão rarefeita e escorregadia como esses momentos que tentamos agarrar
Estamos sempre tentando nos agarrar
com medo de cairmos
dentro de nós mesmos.
*
Aquilo que derrete perde para sempre a sua forma
O fogo oculto
queima por mais tempo
crepitar lento
no olhar em combustão
Olhar pétreo
mistérios violáceos
violenta reação
ao toque e ao ataque
Olhar férreo
fundido sob o sol
derretido no arrebol
sobe a lua no teu vagar
Tua voz
tem lume e alumínio
canto prata
frio
aquecido por uma palavra
que queima feito fornalha
O fogo oculto
brilha até cegar
e cega
teço a mortalha.