Dois poemas de Laura Redfern Navarro
Laura Redfern Navarro (2000) é aquariana, poeta e jornalista graduada pela Faculdade Cásper Líbero. Desde 2019, produz conteúdo sobre literatura e criatividade na plataforma @matryoshkabooks. Pesquisa corpo e linguagem nas vicissitudes do feminino. Foi aluna do Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE-Poesia) em 2021. Participa da equipe de poetas do portal FaziaPoesia, Em 2022, venceu, em primeiro lugar, o Edital de Publicação Inédita em Poesia do ProAC com O Corpo de Laura.
***
A SOMBRA
(a partir de uma provocação de Priscila Kerche)
“Vivia dentro do meu personagem, como uma criança dentro de sua mãe: eu me alimentava dele”
Silvina Ocampo
I
laura & Laura
constata o espelho precisamente às 7h00
II
a do outro lado é amiga
da poeira das traças
& do /falso/:
este corpo de laura
ocupa um porão apertado que os filmes chamam de [bunker];
→ é uma estratégia para se esconder
e disso ela sabe bem;
mesmo quando insurge
ela vem /disfarçada/
III
“o meu cabelo
veja bem,
é de [plástico]
você sabe muito bem:
o [preto] não combina
comigo
ele me deixa /apagada”
IV
laura é um ser desleixado;
ela se debruça escreve dorme e come em cima de uma mesa de poeira
como se situasse precisamente sobre a beleza que se esvai, pouco a pouco, até
que não sobre ;;;;
/mas ela não quer deixar para trás
V
o corpo de laura do outro lado é ruminante feito o estômago das vacas;
carrega olheiras,
palidez, cheiro azedo,
hematomas
o Tempo
VI
a menina / que não é menina
se veste de branco
como um fantasminha
olha de canto
para o espelho
para a mulher
que é Laura;
o mesmo sorriso
travesso inquieto
exausto;
quer deixar um recado:
“I exist within the very fabric of reality”[1]
*
EU MATEI LAURA
para Geruza Zelnys
I
quando todos os [traumas] forem apagados
eu vou continuar sendo
Alguma Coisa?
haverá ainda uma história
válida no meu texto?
II
estou cansada de tanto //eu//!
grito, em protesto
ao Espelho
III
o dia em que se encerra um passado
é o dia em que começam
as novas páginas
o antigo idioma será enterrado,
os ossos ficam; a gente precisa criar uma [pele] nova
IV
há algumas semanas tenho estudado sobre algumas coisas:
* o comportamento dos louva-deus,
* a poesia do martelo de adelaide ivánova
* a poética do espaço de gaston bachelard
e descobri que os louva-deus trocam de [pele]
de tempos em tempos com as próprias garras;
que as mulheres têm martelos
no lugar das [garras]
e que o meu travesseiro
é uma extensão da minha Pele
V
o corpo é uma palavra
que pode ser [objeto],
e assim ele tem
um significado:
[ser usufruído] ou [ser útil],
VI
deste modo, se eu escrever: Corpo assim, com letra maiúscula,
ele se torna Sujeito
com nome próprio;
e se um objeto é estático
o Sujeito é algo mais complexo
que age
VII
será que isso significa que eu sou livre?
ou
que Laura é l i v r e?
VIII
mas, se for assim, então… eu matei laura!
meu deus, eu matei
fui eu
que matei
laura!
NOTAS
[1] “Eu existo intimamente dentro do tecido da realidade” (tradução da autora); referência à creepypasta (tipo de história de terror/lenda urbana que se popularizou pela internet no início dos anos 2010) do jogo Misfortune.GB.