Dois poemas de Mayara Blasi
Mayara Blasi escreve, revisa e coordena encontros de escrita desde 2019. Sua publicação de estreia foi em 2017 com o conto O Vazio Barulhento da Pressa na coletânea A natureza das coisas breves, organizado por Tiago Novaes (editora Carapaça). Publica seus textos mensalmente no blog Isso Não é Um Jogo e colabora esporadicamente com o projeto Bait/Switch. Reside atualmente em Maringá -PR.
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ain’t no mountain high enough
foi a música que ficou
a versão que o marvin gaye canta com uma mulher, sabe?
a versão do filme que vi algumas vezes com a minha mãe
e depois sozinha e ontem
onde você tá agora tem tv, mãe?
acredite no depois
é sua única chance
é uma das chances de
resolvo escrever
e me pego treinada pra criar algo que valha
esteticamente
não faz sentido
como escrever a morte o luto a perda o inferno que é
o céu existe a partir de
a loucura você controla com
como escrever de outro jeito?
pra quê escrever de outro jeito?
falta jeito
a exclusividade da dor querendo cena
busco dizer sem as mesmas palavras já ditas e repetidas
porque não me reconheço nelas
e ao mesmo tempo
são essas mesmas palavras que atravessam a todos na hora da morte
há séculos
não tem bonito
depois até que
escrever este texto sendo sincera
é uma tentativa de fazer um texto bonito
quer dizer
primeiro uma tentativa de criar conforto
não importa o jeito
não precisa publicar este texto
qual é a hora da morte?
pra que tanto esforço se estamos à deriva?
a gente gostava de ouvir essa música
porque é daquele filme com a Julia Roberts
e a Susan Sarandon
a Susan lembra demais a tia Cleusa
ela também ficou doente, como a Susan no filme e a minha mãe
eu sou madrasta como a Julia e grávida
a tia Cleusa é mãe da Dani, que é mãe agora pela segunda vez
estudamos juntas
pode chorar toda vez que ver o filme
o mesmo filme
lado a lado
a morte lá
stepmom em inglês
step
mom?
podia ter mesmo
uma steplife pra quem merece
minha mãe
a arrogância
posso dizer algo pra quem tenta consolar pessoas em luto
quem sou eu afinal
dizer você-tem-que-superar não resolve
não
ajuda
a gente supera uma bronca que levamos porque merecíamos
uma decepção com alguém
o fato de que perdemos dinheiro por não jogar no pavão, tava claro no sonho
um relacionamento – muito embora nem sempre
e mesmo assim pode ser que
seja difícil superar o simples fato de que erramos a receita de um bolo
nenhum passo a passo garante resultado
ain’t no river wide enough
busca uma boia
no dicionário
superar:
1. ser superior ou melhor do que
2. domesticar
3. vencer
não sei qual definição é pior
a gente não supera a morte
a morte fica em você
tá ali desde que você abriu os olhos neste mundo
viver é distrair a morte
o tempo todo
não dá pra pular sobre ela
espantar fazendo careta
não se domestica a morte dizendo
sentada
deitada
dá a patinha
pior ainda pensar que superar
é vencer
mania ridícula de vencer
não vou vencer a morte
nem seus defeitos
digo, efeitos
sento pra almoçar com eles
perco o apetite
sento com eles pra jantar
e desisto
sento com eles no café
gostava tanto de café
sinto muito se você ainda tá aqui
do meu lado
não sabendo o que dizer
eu também não saberia
não sou mais a mesma
nem vou ser
e o quanto isso afeta
o que não quer dizer que agora carrego o peso da morte
uma tristeza intermitente o peito dobrado sob ele mesmo o olhar parado
talvez um pouco
mas as coisas que antes importavam
não importam mais ou importam tão menos
que talvez eu não te dê atenção agora ou não me dê atenção agora
ou não tenha atenção pra nada
nem pro seu colo
não tô mais onde eu tava
ainda bem
ninguém fica no mesmo lugar depois de perder a mãe
ainda bem não
queria ela aqui
e o antes
nossos planos
mas não posso preferir estar no lugar de antes
porque minha mãe morreu
tenta dizer minha mãe morreu
baixo ou alto
na cabeça ou com a boca mesmo
não,
mentira
egoísmo meu
desculpa
estou em outro lugar
it takes time
e tempo cuidado paciência fôlego
são intercambiáveis
não posso escolher voltar pro antes
ain’t no valley low enough
já viu a vista daqui?
é bonita mesmo com esses buracos
quer dizer, hoje
passa amanhã
fica feia e bonita e feia conforme
as nuvens se movem
ou alguém te liga cartório papel
ou foto reza dança silêncio bebê
a gente tenta porque
o contrário disso é desistir
eu nem poderia desistir
ainda mais agora
e não deveria escrever
a gente
te incluindo nessa
mas dá licença
eu preciso te incluir nessa
ver se me serve de verdade
um grupo
i’ll be there on the double
just as fast as I can
a gente se encontra outro dia
mais pra frente
né, mãe?
essa música feliz
pra que a cabeça continue em cima do pescoço
*
sua casa ainda aqui
lembro de quando descobri
um tanto decepcionada
que o cheiro da casa da minha mãe
era o cheiro do amaciante que ela usava
brisa do verão, diz a embalagem
comprei o mesmo
mas minha casa não cheirou como a dela
e agora nem a dela
que tá feita da falta do cheiro
do pão que ela assava
do shampoo, sabonete, batom
daquele creme antissinais
o mesmo por anos
da pele dela no pescoço e nos braços
dos remédios
da pele no rosto e nas mãos
a casa dela cheira a falta
ainda compro o amaciante da mesma marca
Maria da Graça Rios
Porretas Poetas.
felix qui potuit rerum cognoscere causas
(Hereux celui qui a pu pénétrer
les causes secrètes des choses).
Please.
Incluam-me Auprés de son circo de Escritores.
I’M IN A FLUTTER.
desadormeÇO Au-dessous Du bosque dE sa Poésie.
We’re all in the same fishing boat.
Plein de sollicitude, Já enviei dados, texts, pretextos.
Receberam ? NoN? Mando de novo at such a time.
empresseé,
Merci beaucoup.