Dois poemas de Victor Squella
Victor Squella (Rio de Janeiro, 1994) lançou Escápula (7Letras, 2019) e Sair da Piscina (Edições Macondo, 2022), Faz mestrado na PUC-Rio no programa de Literatura, Cultura e Contemporaneidade, pesquisando o arquivo de Roberto Piva. Também faz traduções.
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I want to make a hole in everything and penetrate it
deep. I want to reach the heart of the earth. My love
lies in there…
Forugh Farrokhzad
No entre de tudo há uma tela —
uma tela algo impenetrável.
Onde colocamos as mãos, onde
tentamos negociar com o real.
Tento cavar buracos nesta tela,
penetrá-la de modo que consiga
me tornar parte de tudo. Mas
sempre parece que cavei muito
tempo e não atingi nenhuma profundidade.
Sinto meus braços, minhas pernas, toda esta
pele que me cobre como algo separado.
Faço — finalmente — buracos em mim.
Toda minha pele com entradas por onde
o real poderia penetrar. Com espaço para
o coração da terra. O tempo é extenso
e nada acontece.
— Os buracos passam a ser preenchidos
com palavras como estas
*
Inverno nos Trópicos
Depois de Patricia Lino
São alguns passos de distância até a praia.
Há dias quase toda coberta pelo mar,
apenas uma magra passarela de areia
que parecia brilhar demais por causa do sol.
Ainda não passamos da metade do inverno
e a temperatura continua a subir.
Hoje o mar recuou, a areia parece ocupar
mais espaço do que nunca, tomando
para si a praia. Como se fosse possível
a areia se esticar sobre as águas.
O mar não tenta lutar. Cede o espaço
com ondas que quebram longe da orla.
Ficamos também longe da orla. Sentamos
com os pés na areia e o resto do corpo ainda
na cidade. Os olhos nos banhistas, que são
poucos. Duas meninas parecem estar
no primeiro encontro. Se beijam timidamente
em determinado momento e apesar de
estarem com duas cangas esticadas dividem
uma só. Comem alguma coisa pequena
enquanto a primeira brisa do dia traz
o cheiro da maconha que um garoto fuma
discretamente, apoiando as costas
em sua mochila e segurando um livro,
uma tragédia grega um pouco acima
de sua sunga laranja, azul e preta.
A forma dele fumar, tão discretamente
enquanto lê algo escrito por Sofócles
ou Eurípedes nos parece a forma perfeita
de terminar o dia.