Dois poemas de Vinicius Bandeira
Vinicius Bandeira é piauiense, nascido em Teresina em fevereiro de 1999. Sendo músico de formação ¬— como estudante de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Piauí (UFPI) —, atua como violonista, vocalista e compositor, com ênfase em música contemporânea. Como artista visual, participou de exposições em Teresina, mais notadamente, duas edições da Exposição de Arte Alternativa Piauiense, realizadas na Casa da Cultura de Teresina. Em março de 2022 publica o livro O Cabeça de Cuia, pela Kotter Editorial.
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No instante da queda do ponteiro, corpos
deitados na grama verde, vagalumes
lumes amarelos, cães
nos corpos na grama verde.
Eles eram levantados do chão, os corpos
postos em carroças quebradas, os corpos
levados nas estradas de terra, os corpos
destituídos de pudor e dignidade, os corpos.
Ele diz: “Não os matei”
Não sabes o que fala.
Ele diz: “Não os matei.
“Eles se mataram”
Não, eles não se mataram;
tiveram seu algoz. Tu, rei.
Foi designado o enterro dos corpos,
o rei mandou cavar valas rasas
para que pudessem ser vistos, esses mortos
que morrem apenas para afrontá-lo, os mortos.
“Sinto que a lua irá cair”, ele disse.
“Acredito que esteja terminado.”
Os buracos cobertos com terra escura,
fartos corpos na mesma vala, esses corpos.
Ele diz: “Não os matei”
Não sabes o que fala.
Ele diz: “Não os matei.
“Eles se mataram”.
Não, eles não se mataram;
tiveram seu algoz. Tu, rei.
“Estás louco, como és.
“Tu não sabes o que fala”.
Eles são memórias sem corpos, derrelidos
com pressa nas estradas sem corpos, velados
de fogo e terra densa, eles
voltam memórias idênticas.
Ele diz: “Não os matei”
Não sabes o que fala.
Ele diz: “Não os matei.
“Eles se mataram.”
Não, eles não se mataram;
tiveram seu algoz. Tu, rei.
“A chama clara do lume apartado,
correntes incrédulas sibilando,
abaixo do muro, um nume enterrado.
O meu rosto escuro se desmanchando,
grave coração cheio de lamentos,
a mente, do corpo, distanciando.
Encontro-me deitado ao relento;
água, de sete lagos, corria
forte, os bichos no calor cruento.
‘. . .traspassar o rio.’ Ele que dormia,
acordando com surda trovoada,
com a testa tremendo, mal se via.
‘Ao cego mundo.’ A visão alquebrada
dos caminhos rubros que percorri,
numa selva, em terra desabitada,
Tirou da memória tudo o que eu vi
‘Nesse oco do universo Dite senta.’
‘Por que rompes-me? A pena escapou a ti?’
Não encontro a voz que longe se apresenta,
desconheço o choro que em mim se esvai.
Voz distante, de escrita violenta.”
Eles são memórias sem corpos, derrelidos
com pressa nas estradas sem corpos, velados
de fogo e terra densa, eles
voltam memórias idênticas.
Ele diz: “Não os matei”
Não sabes o que fala.
Ele diz: “Não os matei.
“Eles se mataram”.
Não, eles não se mataram;
tiveram seu algoz. Tu, rei.
*
ele contempla a flor cair
ali
pincel
tinta
escreve
não esqueço o acordar
durante a noite sob nuvens
orvalhos brilhando
fugazes nas folhas breves
cansar é a sua essência
sua roupa branca
ali
ele pensa
e os pensamentos dissolvem
e voam na campina seca
ele olha
fugazes nas folhas breves
cansar é a sua essência
e reescreve
fugazes nas folhas breves
nada é a sua essência
ele observou as palavras
nada
essência
e não mais falou
de si
e contemplando a tinta ondular
quando os pingos caíam
escreveu
meu século escasso
desaguando nessa areia
olho para casa
e observou a palavra
desaguando
e,
com as mãos, afastou o pincel
os olhos voltaram-se às pétalas
seu ocre moldando o tecido branco
envolvendo-o
deslizando
morrendo
no chão
seu ocre agora negro
e ele viu as flores sumindo
e ele viu as folhas sumindo
e ele viu o vento furtando
para onde não sabia
ele sente medo
mas não se perturba
ele sente dor
mas não se perturba
o rio flui
carmesim envolve as pétalas
letras dissipam
fugazes
essência
nada
areia
orvalhos desaguando
e ele mira
e não vê
e ele toca
e não sente
e ele foi
e não é
sua roupa manchada
agora encarnada
não esqueço o acordar
desaguando nessa areia
orvalhos fugazes