Duas crônicas e um videoclipe de Ishiruji
Ishiruji é escritor, cronista que migrou das redes sociais para o livro. Ator formado em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná, atuou em 27 espetáculos, 12 curtas e média-metragens e 3 webséries. Recentemente lançou seu primeiro projeto solo como compositor e produtor musical, o EP Que seja bom antes do fim. No momento, trabalha na escrita de seu segundo livro e na produção de seu segundo trabalho musical.
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Sobre a reforma e outras tretas I.
Uma das coisas mais legais que eu descobri no pós-reforma foi o tampo da privada. Nem reparei quando tinha comprado, só fui descobrir depois que ela tem um sistema de compressão de ar que faz com que não precise segurar para baixá-la — basta um toque e ela vai descendo lentamente até fechar. Achei a coisa mais chique do mundo, tornou-se aquela inutilidade essencial dali pra frente.
Aí tarra lá eu na casa dum arquiteto TCHA NA NAM apartamento todo chique e decorado: lustre, mármore, cristal, papel de parede, aquele monte de coisa que nunca que ia ter na minha casa. Pronto, precisei ir no banheiro (igualmente chique, com pia de pedra, odorizador de ar, toalhas que pareciam mais um edredom TCHA NA NAM, o escambau) bati aquele mijão e quando fui baixar o tampo pesadíssimo de sei-lá-kids-grama de material pesado é aquele O QUE FOI QUE EU FIZ? larguei o tampo a ação da gravidade jurando que Newton ia amortecer a queda.
O estrondo que se seguiu, meus amigos…
O ESTRONDO.
Por Deus aquela merda não quebrou — devia custar umas 20 horas/aulas minhas. O dono da casa veio prontamente perguntar se estava tudo bem eu (beterraba de vergonha tentando adivinhar com qual daquelas 37 toalhas eu tinha que secar a mão) expliquei o ocorrido bem tintim por tintim pro rapazola não achar que eu estava tentando derrubar o apartamento dele.
A vida, meus amigos, nos presenteia com pequenas doses de privilégios para em seguida nos fazer sentir vergonha por eles.
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Uma tarde na Preguiça
Resolvi descer para a praia da Preguiça bem cedo. Ainda batia 9h e eu já todo estarrado na areia, cheio de confiança com a sunga made in China. Na areia, um monte de barquinhos estacionados, os estivadores limpando; no canto um pessoal batendo o baba, uma coisa linda bucólica. Ai, que vontade de ser poeta, de fazer saudação ao sol etc.
Dali a um pouco começou um VUCU os homem começaram a vir correndo na minha direção. Pensei “pronto agora foi adeus desculpa galera eu boto uma bermuda socorro não me bate” BORA BORA BORA e eu AI, BORA PRA ONDE? NÃO ME CONVIDA ASSIM QUE EU e um deles BORA AJUDAR A EMPURRAR O BARCO e eu ATÁ fui né, depois dum convite tão lisonjeiro. Nessa hora nem vergonha da sunga mais eu tava porque descobri que estivador também usa sunga. Lá fui eu bem empoderado, me emparelhando ‘cos homem, quando o que tinha falado comigo disse VÔ CONTÁ ATÉ TRÊS E CEIS EMPURRA eu já orando a papai do céu, pedindo pro barco não virar pra cima de mim 1, 2, 3, gritos, urros, pensei “vô berrá também” AAAHHH, CARAIII… BARCO PESADO DA PORRA aí o hômi VAI PASSANDO PRO OUTRO LADO nisso foi saindo um por um e a parada ficando mais pesada e eu ÇOCORRO, MOÇO. CEIS VÃO PRA ONDE? aí o hômi gritou de novo que era pra eu ir TÁ, TÔ INDO. DESCULPA! isso porque entendi que era pra fazer o contrapeso do outro lado, equilibrando a embarcação pra tripulação poder tombar e a limpeza do casco continuar. Eu, bem piá de prédio, só sabia de barco jogando River Raid no Atari.
Tá feito! O barco ficou do jeito que eles queriam. “Aêee, massa. Valeu, galera!”, o hômi virou pra mim e fez SÓ VIROU PORQUE ESSE DAQUI FEZ FORÇA e veio todo mundo me cumprimentar — eu bem emossionadah, dando tchau de miss, soltei um VALEU, MEN TAMU JUNTO depois pensei que quem fala assim são meus alunos. Fiquei na dúvida se estivador fala “Tamo junto”… enfim, já foi.
Voltei pra minha canga, eles voltaram pro baba. Sorte minha que não me convidaram — a lombar já reclamava, a essa altura, dizendo CÊ TÁ MALUCA? Respirei fundo procurando a paz interior novamente, mas já era tarde. Um bicho selvagem despertou com tanta testosterona, tanto berro, tanta endorfina… larguei a praia, fui treinar. Puxei pesos como se barcos fossem.
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Tempo
EP Que Seja Bom Antes do Fim
Composição e Arranjos: Ishiruji
Produção Musical: Ishiruji e Lucas Catu
Direção: Gabriel Amaranttes