“Entre Mulheres” (2022) – Por Ariadne Marinho
É tempo do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.! Como todo ano, a premiação, também conhecida como Oscar, supostamente indica e condecora os melhores filmes, atuações e trabalhos técnicos da temporada. Um propósito no qual falha, às vezes de modo ofensivo para os amantes da sétima arte, desde 1929. O que ocasiona decepções e polêmicas, aumentando seus detratores. Oscar, afinal, é honraria da indústria e não reconhecimento artístico. Por outro lado, o troféu tem seus admiradores, que se sentem representados pelas escolhas da Academia e até promovem bolões. Mesmo críticos de cinema têm esse hábito.
Independentemente do amor, da repulsa ou da indiferença, o “The Oscar goes to…” segue cativando e movendo cinéfilos, confirmando o lugar da festa hollywoodiana como a maior cerimônia de premiação de cinema que existe no mundo (cuja audiência diminui ano após ano).
Como amamos cinema (e assumindo as incoerências da vida), convidamos escritores, críticos e estudantes de audiovisual para escreverem sobre alguma das 10 produções indicadas à categoria principal: a de melhor filme.
Ariadne Marinho, historiadora e colunista da Ruído Manifesto, analisa Entre Mulheres, o único filme dirigido por uma mulher na disputa pela principal estatueta do Oscar.
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Entre Mulheres. Direção: Sarah Polley. País de Origem: Estados Unidos, 2022
“Entre Mulheres” ou Women Talking (no título original), dirigido por Sarah Polley e candidato este ano ao (aff!) Oscar de Melhor Filme, é baseado no livro da escritora canadense Miriam Toews. Em sua obra, Toews investiga uma série de estupros na comunidade Menonita (uma linhagem cristã radical da época da Reforma Protestante, como os Amish), em uma região da Bolívia, entre os anos de 2005 e 2009. As mulheres e crianças, incluindo alguns meninos, eram sedadas durante o sono e então violentadas. A gravidez era comum e os protestos contra as agressões eram convenientemente silenciados.
O filme inicia-se com uma sentença in off: “Esta história começa antes de você nascer”. E aborda precisamente uma reunião deliberativa – e tensa, cheia de mágoas – entre as representantes das mulheres dessa comunidade fundamentalista no interior rural e impreciso de um país igualmente fictício, pois, não nomeado. Analfabetas e submissas, elas precisam escolher entre perdoar, lutar ou fugir. Ou seja, uma decisão sensível entre aceitar o que dita sua fé ou desafiar os seus intermediários mundanos. Para o corporativismo masculino, os protestos de suas mães, irmãs, esposas e filhas não eram senão fruto de uma “imaginação feminina selvagem”, quase uma histeria coletiva, ou uma mentira para “chamar atenção”. O que, claro, aumentava o desespero dessas mulheres e tornava a situação ainda mais macabra, mais desoladora. O horror que as transformava em seres abjetas, objetos para a satisfação masculina. Este é o governo do pai, o patriarcado.
A trama segue amparada nos poderosos diálogos, ora contundentes, ora delicados, retratando rostos-identidades e costurando uma realidade de barbárie, de silenciamentos, que afinal é comum para todas nós, mulheres.
Da serenidade ou resignação das anciãs, aos rompantes emocionados das mães mais jovens, a discussão entre elas – entre as mulheres que falam, daí o título do filme – traz questionamentos acerca da maternidade, do amor, do ser e estar no mundo. Dúvidas sobre a função dos homens e a educação das crianças na perpetuação de uma condição de violência, a manutenção de sua submissão. Debatem, assim, as circunstâncias das agressões. Jamais, no entanto, põem em questão a fé: o esforço durante toda a reunião é o de encontrar uma solução conciliadora, já que não acreditam em punições permanentes contra os agressores senão pela vingança e morte. Não existe justiça contra aqueles que governam o mundo. Ora, este é o governo do pai.
No fim, a decisão que era inadiável torna-se então evidente. Polley acerta ao estruturar o longa-metragem em um único dia, alternado flashbacks com as interpretações competentes de cada uma das atrizes e do ator (Augusto, o professor, convidado para lavrar a ata da reunião que ficará na comunidade, como um aviso ou carta de despedida, para que os homens saibam porque elas decidiram o que decidiram), que concedem materialidade à dor que atravessa aquela comunidade. Uma dor que é singularizada, de fato, mas também partilhada, coletiva. Entre mulheres busca promover um olhar de alteridade, ampliando a noção de sororidade. Todo o cosmos feminino está ali, desnudo, diante da opressão patriarcal.
Onde assistir: Em cartaz nos cinemas.
*Ariadne Marinho é historiadora, pesquisadora e mãe de Dionísio e Tom. Cuidadora da gata-idosa Cavalo de Fogo e da jovem cachorrinha Frau Karamello. Escreve mensalmente a coluna “À deriva”, na Revista Ruído Manifesto. Doutora em História pela UFMT.
Rafael Santos
Belíssimo! Bravo!