Entre um canto e outro: “50 cantos”, de Lívia Viana – Por Judi Olli
“‘Olhares escritos’ destina-se (como quem cumpre sua sina) a compartilhar as minhas experiências de leituras de obras publicadas na contemporaneidade com uma mescla de pessoalidade e crítica literária (como alguém que habita dois universos e que está no entremeio das coisas)”.
Judi Olli (Judikerle Pereira de Oliveira) é professora de Língua Portuguesa/literatura, mestra em Estudos Literários no Programa de Pós Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso (2019). Licenciada em Letras – Português e Literaturas pela mesma instituição (2016).
judiolli@gmail.com
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Entre um canto e outro: “50 cantos”, de Lívia Viana
“50 cantos” (2021) é um livro de fotografias que capta a essência de Cuiabá, capital mato-grossense.
Em meio aos contrastes luz-sombra, foco-desfoco, concreto-natureza Lívia registra fragmentos de cidade entre pontos arquitetônicos e lugares invisíveis como o bairro em que eu cresci, Jardim Vitória, localizado na região norte.
Essa fotografia está bem no centro do livro, centralizando a periferia cuiabana ao lado de uma fotografia com destaque para uma faixa do Fórum sindical, em manifestação, reivindicando o RGA dos servidores públicos.
Ao encontro dessas fotografias há o registro de um prédio inacabado, “obra parada há mais de 30 anos localizada na Avenida do CPA”. Na foto visualizamos: o prédio cinza, do meio ao topo, céu ao fundo, também acinzentado, três linhas pretas, paralelas, no centro da foto cortando a fotografia de uma extremidade a outra com uma leve e crescente abertura na parte superior. O ponto de cor em destaque são essas paralelas pretas.
Isso me fez refletir sobre aquilo que é relevante e está na ordem do visível e visitado e aquilo que é invisível e caminha com o abandono sinalizando diferentes olhares sobre os modos de acessar a cidade.
Por outro ângulo, em um outro canto da cidade, temos uma panorâmica da capital com destaque para o pôr do sol. O amarelo-alaranjado vibra ainda mais com o contraste cinza dos prédios e casas em uma fotografia que poderia ser uma das melhores representações do estar/ser na/a cidade: a intensidade do calor.
Essa mudança de perspectiva nos faz refletir acerca da multiplicidade que nos cerca, viabiliza apreciar aquilo que é belo, mas sem deixar de lado os questionamentos pessoais, sociais que produzem as transformações na sociedade e em cada um.
Outra ordem de mudança é percebida nas páginas finais do livro, há o registro de um grafite no muro do IFMT (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso) que já foi apagado, denota a fragilidade da duração na contemporaneidade, principalmente nos ambientes urbanos, e ao mesmo tempo simboliza, pela sua presença no livro, a eternização daquela obra (CARTAXO, 2009).
O livro provoca, seduz e nos faz parar e [re]ver nossa história, lutas, belezas oscilando de uma experiência coletiva que também se perfaz particular, de modo que compartilhamos a cidade através dos olhos da fotógrafa, dos meus, dos seus, dos nossos.
Nessa perspectiva, ocorre uma reconexão com a cidade por intermédio de um olhar sensível que nos faz parar, refletir, ressignificar o “estar no mundo” (CAMPBELL, 2015, p. 201) que nos afeta e em que somos afetados.
A escolha por dar um foco de cor em cada fotografia preta e branca, por exemplo, conduz nosso olhar para os espaços que de outro modo estariam camuflados no concreto da cidade.
O foco colorido, assim, ainda nos possibilita pensar no conceito de fragmento o qual, de acordo com Gonçalo Tavares (2013, p. 41), é “um ponto onde se inicia; um fragmento nunca termina, mas é raro um fragmento não começar algo”.
Deste modo, iniciamos nossa visita/revisita pelos “50 cantos” indicados por Lívia Viana e vamos ampliando o olhar até as margens daquilo que somos e conhecemos.
Marília bonna
Tem até Tavares ❤
Do seu olhar, até a margem, judi. 🙃