Entrevista com o escritor Hamilton Borges #PassouPelaFLIPEBA
Em setembro, nos dias 22, 23 e 24, ocorreu a I Festa Literária na Ilha de Boipeba – FLIPEBA. Festa que buscou divulgar e fortalecer a celebração da literatura, das histórias e da identidade cultural que se cruzam e perpassam a ilha, que está para além da imensidão azul. A FLIPEBA nos três dias de evento reuniu diversos escritores, artistas e apreciadores de literatura, tanto da ilha – os nativos – como convidados, além de turistas de outros países, como Portugal, Argentina, Espanha.
Na sexta-feira, 24/09, ocorreu às 20h30 horas na Praça Principal de Boipeba, a mesa literária “Literatura é resistência” que contou com a mediação de Manoela Ramos e participação de Midiã Noelle, Hamilton Borges, Odara Fernando e Jessé Andarilho, que puderam conversar mais a respeito sobre como a literatura exerce para além de uma função de resistência.
Na coluna “Nas águas literárias da FLIPEBA” a colunista Nina Maria conversou um pouco com Hamilton Borges acerca da sua atuação literária. Segue abaixo as quatro perguntas feita por Nina Maria à Hamilton Borges.
Quem é Hamilton Borges?
Idealizou e integra a organização política ” Reaja ou será morta , Reaja ou será morto ” e coordena a Escola Pan – africanista Winnie Mandela e o Projeto Cultura Intramuros na Penitenciária Lemos Brito onde desenvolve ações de política cultural e luta por direitos de prisioneiros e prisioneiras. Publicou, pela Editora Reaja, em 2017, “Teoria Geral do Fracasso”, livro de poemas e em 2018, “Salvador , cidade túmulo”, livro de contos, que foi traduzido e lançado na Califórnia e em Washington, nos Estados Unidos da América, em 2019 o Romance “O livro preto de Ariel “e em 2021 o livro” Libido dendê e melanina”. Participou de algumas antologias, a exemplo da “Negrafias: literatura e identidade”, publicada pela Ciclo Continuo e, desde os anos 90, divulga sua produção literária pelas redes sociais/internet. Se filia a uma literatura quilombista, preta de combate. Nos anos 80, criou o grupo de intervenção poética “Os Maloqueiros”, em 2020, criou a livraria Eleyé, especializada em literatura negra.
Nina Maria pergunta a Hamilton Borges – Hamilton, porque a literatura é um espaço de resistência?
R – Eu acho que a literatura é um espaço de vida, o espaço de humanidade todas as pessoas fazem literaturas para quem a gente deve resistir às opressões deles. Eu acho que para além de ser um espaço de resistência a literatura é um espaço de busca da humanidade. Esse é um conceito importante para as pessoas pretas né, a humanidade, porque o tempo todo parece que a nossa humanidade é uma humanidade de segunda categoria como nós somos colocados.
NM – Sabemos que quando se fala em literatura de resistência no Brasil logo se evoca a literatura negra, que desde muito tempo quando Maria Firmina dos Reis publicou Úrsula, vem resistindo ao cenário literário e os cânones produzidos pela branquitude elitizada e abertamente racista. Outro exemplo de resistência foi quando Conceição Evaristo nos falou que nós, escritores negros, não escrevemos para adormecer a casa-grande, e sim para acordá-los, quiçá incomodá-los perante tantas injustiças que perpassam o nosso povo negro. Você, Hamilton, é um idealizador e coordenador de projetos que utilizam da literatura e cultura para socializar e conscientizar o cidadão perante a sociedade racista em que vivemos, além disso, também escreveu e participou obras que evocam o povo negro, toda sua identidade e cultura e vem resistindo desde os anos 90. Como a literatura pode evocar raça e nos fazer resistir, enxergar e lutar contra a sociedade do ódio ao preto?
R – Eu me inscrevo numa perspectiva em que a gente não quer convencer ninguém sobre os nossos problemas. Os bancos não precisam saber o que é que a gente pensa, o que a gente é, a gente tem que parar de ser um livro aberto para os brancos, a gente tem que se preocupar com a gente mesmo. A literatura da minha perspectiva ela é um espaço importantíssimo né, de memória até porque nós inventamos a escrita, nós descobrimos a escrita. Há milênios a gente tava escrevendo, tava dialogando com futuro através da escrita através da literatura. Então é uma coisa que nos pertence né, que tá nossa mão. Eu não sou daquele que idealiza uma ideia de que literatura pela literatura é ruim, se você puder fazer literatura pela literatura já tá fazendo muita coisa, não necessariamente todas as pessoas tem que fazer uma literatura que parte de uma luta de uma resistência. Eu acho que algumas pessoas vão fazer apenas pela arte e fazer arte pela arte já é muita coisa
NM – Porque falar de Hamilton Borges é falar de resistência?
R – Não, falar de Hamilton Borges não é falar de resistência, isso é bondade sua. Porque tenho certeza que essa perspectiva eles estão falando aí é uma perspectivação positiva. Mas falar de Hamilton Borges é falar de várias coisas, é falar de afeto, de amor, de construção, de espaços de sociabilidade, de ação coletiva, autonomia. E, na verdade, falar de Hamilton Borges é falar que Hamilton Borges é derivado da perspectiva de um povo.
NM – É preciso resistir, é preciso escrever e resistir. Qual a sua mensagem aos que desejam adentrar nesse mundo da literatura negra de resistência? Deixa um incentivo e um recado.
R – Quer entrar na perspectiva da literatura negra ? da literatura preta? da literatura quilombista? da literatura afro-brasileira ? Toda as denominações da literatura que é praticada pelas pessoas pretas devem simplesmente escrever ou falar porque ainda que você não escreva, você pode fazer literatura né. Então conte história ou sua história, divulga história, promova a história. Isso que é mais importante fabule e tome a sua narrativa para si próprio. Eu acho que é isso não sei se é uma mensagem, mas é o que eu posso falar e eu queria agradecer a vocês como propiciarem nesse diálogo com você muito obrigado mesmo.