Escritas em Revoada
I
[Coluna mensal escrita pela poetas Ádila Madança, SertãoSol e Pók Ribeiro sobre escritas e vivências de mulheres, especialmente do Semiárido baiano]
Assim como borboletas e pássaros arribam em revoadas, espalhando as cores e levezas de suas asas que anunciam transformações e liberdade, mulheres interconectam-se por meio de suas escritas de chão e corpo, no balanço dos versos e prosas que muito dizem sobre suas existências e de todas as outras que vieram antes delas, nesse nosso chão-sertão- de versos.
É assim que os ajuntamentos literários e artísticos, sejam livros de autoria plural ou coletivos artísticos-literários, sobretudo produzidos de modo autônomo e deslocados do cânone, têm sido importantes ambientes de acolhimento e propagação das nossas vozes, sentidos e vivências, geralmente, não acolhidas ou reconhecidas por aqueles que dominam os espaços e discursos literários.
Os rótulos e enquadramentos carregados de estereotipias tendem a colocar a escrita e as demais produções artísticas de mulheres em caixinhas mofadas e silenciadoras e, mais ainda, quando são autoras negras, periféricas, indígenas, camponesas, lésbicas, trans e as escritas brotadas de territórios desprezados, como o Semiárido e o meio rural. É, pois, com o ânimo das borboletas e aves em arribação que reuniremos mensalmente, aqui nesta coluna, retalhos multicores das nossas identidades metamórficas, ecos de nossas vozes-versos, cores e sombras de nossas memórias ancestrais e de outras tantas mulheres artistas, arteiras, fiadeiras de sonhos e labutas…(re)criando nossos próprios espaços-tempos de dizer, cortando o que nos tem podado para, ao nosso modo, refazer.
A palavra poética é nossa revolução, nossa Ação no momento presente. Acreditamos na poesia como um modo de intervenção no mundo, na artéria, na pulsão de vida da nossa matéria. Ruidosas aqui nos manifestaremos revolvendo terras semiáridas para plantar e fazer brotar ainda outras paLavras. Venham conosco, nessa ciranda de palavras borboleteadas, para conhecermos mais acerca da literatura e da arte de mulheres, fora dessa linha dominante que separa autores/as, suas vozes e existências para além dos padrões. Somos uma, mas não somos só! Somos mulheres que sonham e realizam, que transitam percursos e, vezes ou outras, se descobrem num encontro rio que vai bater no “mei” do mar. Entre também pedras, barro, vento e fogo, incendiamos os espaços com nossa fúria revolucionária bem carregada de poesia. Somos nós de nós, muito vivas e povoadas!
Aqui, Ádila Madança, Pók Ribeiro e SertãoSol, traremos um tanto de nós e de outras tantas mulheres do semiárido baiano, rendeiras, andarilhas, sãs e, vez ou outra, embriagadas de poesia. Mulheres arretadas, arteiras, professoras e pesquisadoras (de academia ou do dia a dia) que curam o mal pela raiz, que pesquisam a dor pra retirar as agonias.
Voemos, nesse abrir de caminhos alumiado pela Nina Maria, com versos de Sertão Sol:
Carrego no corpo cicatrizes
de quem já andou descompassado
E aprendeu a aterrar
Cicatrizes de passos firmes
que vez ou outra cansa
e tropeçam num piscar
De olhos
Que em perspectivas mil podem atravessar
qualquer lugar
Meu corpo é e está muito vivo
para além do que já foi reprimido
Vivo!
Vivo como beija-flor que se alimenta
de flor em flor
pra não parar de voar
Viva!
Como sempre viva
Viva pra morrer
morrendo pra viver um pouco mais
Sentindo
Afinal, faz sentido?
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Na coluna mensal Escritas em revoada, Ádila Madança, Pók Ribeiro e SertãoSol trarão retalhos e reflexões das suas escrevivências e de outras tantas mulheres do semiárido baiano, interconectando literatura com outras linguagens artísticas produzidas por mulheres. As colunas alternarão reflexões em torno do processo político-poético, entrevistas com mulheres escritoras do semiárido e degustação de textos literários e outras criações artísticas, numa perspectiva de enfrentamento aos padrões coloniais silenciadores. A coluna irá ao ar…. de cada mês.
Sobre as colunistas:
Ádila Madança é artista e mãe, natural de Juazeiro/BA, que transita entre as linguagens da literatura, teatro e performance.
Pók Ribeiro, é poeta, escritora e professora da educação básica. É autora dos livros Pedilua (2017) e Endométrio (2019) e um das organizadoras da LiterÁridas, uma antologia de mulheres poetas do semiárido baiano.
SertãoSol é artista arteira, agrocaatingueira e segue trançando caminhos poéticos que a levam a magia das linguagens literárias.