Especial “A Arte do Encontro” – Um poema de Kika Sena e Lívia Bertges
O Especial “A Arte do Encontro” reúne poetas para um desafio: o de conceber um poema a quatro mãos, duas cabeças e dois corações.
A proposta foi feita a trinta poetas, quinze duplas. Optamos por não sugerir uma dinâmica, deixando a cargo das duplas inventarem seu método de criação, suas soluções e engendrarem idiossincrasias próprias. Não pensamos nos convites tendo em mente poéticas que dialoguem, mas no desafio da escrita, da composição e até da comunicação.
É possível a poetas tão díspares encontrarem juntas(os) o caminho da criação? Ou será uma parceria leve de estilos e visões que se comunicam?
Em “A Arte do Encontro”, as palavras-chave são criatividade e liberdade. E tudo é absolutamente livre: tema, extensão do poema, processo etc.
O Especial “A Arte do Encontro” faz parte das celebrações do quinto aniversário da Ruído Manifesto. Organização de nossos editores Matheus Guménin Barreto e Wuldson Marcelo.
Neste quarto volume, a reunião entre Kika Sena e Lívia Bertges nos proporciona a existência do poema Suspender-se.
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Kika Sena é arte-educadora, diretora teatral, atriz, poeta e performer residente em Rio Branco, Acre. Licenciada em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) e mestranda em Teoria e Prática das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre, é pesquisadora nas áreas de gênero, sexualidade, raça e classe e partir de 2015, vem desenvolvendo pesquisas relacionadas à área de voz e palavra em performance com cunho político referente ao corpo da mulher trans e travesti na cena teatral e social.
Lívia Bertges é professora, pesquisadora e escritora. Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGEL/UFMT), com participação no Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES) na Sorbonne Université (Paris, França). É pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Ensino (PPGEn/IFMT). Integrante do Coletivo Literário Maria Taquara (Mulherio das Letras – MT).
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Suspender-se
Desviar do tempo em palavras:
nossa missão
diária.
Ousar correr contra os fluxos:
Caminhos empobrecidos de ser.
Dourar o tempo
contemplar
o dourado
que alcança o
céu e
encontra
a prece.
ligar o tempo
ao céu
em cúpula redonda
e nela caber inteira
e incompleta:
Ousar ouvir o relógio de dentro,
Entender as pausas que o coração faz enquanto corre um brilho no olhar
Palavra tempo
cabe na boca doce da avó
em sua poltrona astronauta.
Cabe também no desespero de uma criança
Correndo cheia de areia em direção ao mar.
Palavra tempo
é o azul das 8h42
na janela, azul cinza
poluição…
Ou uma canção de quando é dia chuvoso
E um corpo com duas mãos lava a louça
Que canta os pingos de água na pia
É de chuva que se banha os caminhos da palavra
Tempo, deus que esgota sentidos-significados-significantes.
Palavra, fã incompleta
mas cheia de fé.
Palavra tempo
é entender
o espanto
da vida
de antemão,
corrida
atropelada
pra quase quando estiver à beira de se esgotar
suspender-se
ela mesma
em ritos de eternidade.