Especial Arcada: Um trecho do romance “Fibonacci 5” de Danilo Fochesatto
Arcada não é um selo, nem editora. É um grupo de escritores criado em 2018 por Danilo Fochesatto, Lorenzo Falcão, Júlio Custódio e Rodrigo Meloni. Em 2021, aderiu ao Arcada Santiago Santos. O quinteto aceita a nominação de autopublicadores, realizando suas produções em conjunto. Todos leem os livros de todos e dão sugestões aqui, ali e acolá.
O processo gráfico, o marketing do lançamento e a distribuição também são decisões compartilhadas; e as obras são lançadas em conjunto, o que procede numa “coleção”. A primeira teve lançamento em 2019 e a segunda em 2023.
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Danilo Fochesatto nasceu em Cuiabá. É autor de 8ito (A Fábrika, 2007) e Lá, onde uma porta jamais parou de bater (Arcada, 2018). Fibonacci 5 (Arcada, 2023) é seu primeiro romance.
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Um trecho do romance Fibonacci 5 de Danilo Fochesatto
Nicoleta me esperava no deque, como se finalmente estivesse pronta para mergulharmos na fonte eterna da ternura. Eu fiz sinal e, só dessa vez, ela acenou de volta. Intuí o óbvio: ainda dava tempo de ser feliz. Bastava que os relógios estivessem desconsertados. Olhei em volta e, na correria, encontrei uma canoa abandonada, mais ou menos afundada na areia do passado. Subi pela proa, me equilibrando no gingado d’água. O remo estava na ponta oposta, enfiado em uma cesta de cipó trançado cheia de moscas. Conforme me aproximava do destino, o cheiro da morte aumentava. Dio maiale, eu não podia perder tempo fazendo muitas verificações, o único jeito era me jogar na situação sem pensar nas variáveis. Para prosseguir, atirei às correntezas aquela cesta de peixes em decomposição. Pelo visto, tornara-me o que mais temia: um otimista incorrigível. Era isto o amor?
Remei, e, como a caixa do rio não era larga, cheguei à praia proibida sem grandes dificuldades. Nico sorria, como se fotografada. Então corremos de encontro e nos abraçamos. Afundando o rosto em seus cabelos, fechei os olhos. Sentindo um familiar aroma de girassol exalando de seu corpo, me dei conta de que um rio também serve para aproximar as pessoas. Só que nessa hora, a um passo do momento decisivo, no dia de colher a safra, perto da chuva de arroz, alguém sempre tenta alguma coisa. Do mesmo jeito que eu tentei. Do mesmo jeito que os casais austenianos tentam. Até porque é somente isso que podemos fazer. Revisitar atos, gritos e equívocos. Nós, os que têm tanto.
Não muito longe, escutei o canto de pneus; o som de portas batendo ecoou na praia logo em seguida. Sabendo que minha história definitivamente não era uma história de pulsão sexual, mas uma agonia da carne, apertei Nico contra mim com ainda mais força, e nossos pés se afundaram na areia. A urgência para ficarmos juntos se fragmentava. Desesperadas e incrédulas, nossas mãos corriam pelos corpos tentando se agarrar a algo duradouro. Mas o sonho não resistiu por muito. Acordamos cercados por quatro milicianos e seus kalashnikovs.
– Ok, doutor, já chega. Pode se despedir da donzela.
O entardecer era bonito sem ser simétrico. A brisa e o sol acariciavam nossas peles, enquanto pássaros brigavam por espaço no céu. Para mim, no entanto, não havia mais chance. Eu já carregava o sinal dos mortos. Durante o baculejo que me fizeram, fitei os rifles imaginando os laços psíquicos entre estes e seus portadores. Será que eles tinham ideais grandes o suficiente para sustentá-los? Será que, para mudar o mundo, estavam dispostos a morrer a qualquer hora? Seja como for, contra o argumento das armas não há razão. A ocitocina nada pode contra a pólvora. Para nos separar de vez, os milicianos nos arrastaram em direções opostas. Na confusão, vi os lábios de Nico se moverem sem emitir qualquer som. A impossibilidade de saber o que ela disse me deixou perturbado. Tudo isso para os desgraçados me enfiarem no banco de trás de um Chevette fodido.
– Ma che cazzo è questa merda?
– Calma, doutor, nós só vamos te escoltar.
– Escoltar? Como assim? Pra onde?
– Aroe Jari.
Pronto, foi o gatilho. Através da janela do carro comecei a ver que todos os personagens estavam de volta; todos que me acompanharam até aqui e já se foram. Cada um com seu trejeito e seu próprio silêncio. Cada um com seu nome de pessoa morta. Pelo que entendi, era um desfile de rostos e, perfilados na beira da estrada, eles me davam adeus. Todos menos ele. A fábula, um menino, algo terrível. Isso me deixou impaciente; fiquei ofegante, suei frio. Quando o Chevette passou em alta velocidade pelo Portão do Inferno, tive a sincera impressão de ver as luzes de uma ambulância capotada no arco da memória. Aí vieram as rajadas de discernimento capazes de me fazer entender quem era o responsável por aquele sequestro. E isso tinha um certo sabor, como quando terminamos os cálculos que começamos. Nós, uma ode para o número π.