Especial Mulherio das Letras Indígenas: Emelin Frances
Emelin Frances. “Sou uma mulher indígena cis, de 34 anos, imersa num contexto urbano enquanto embarco numa jornada de retomada identitária. Nascida no extremo sul da Bahia, Ilhéus, busco resgatar os passos dos meus ancestrais, à medida que busco fortalecer projetos indígenas, com atuação desde 2019, ano que despertei para questões identitárias. Com uma formação em Negociações Internacionais, atuo como professora de inglês, utilizando a linguagem como ponte entre culturas. Além disso, minha paixão pelas artes e literatura me levou a explorar diversas formas de expressão, tornando-me também uma escritora, vendo-me como tal, à convite de uma amiga, Adriana Carajá, entrando assim no coletivo criado pela coordenadora Eva Potiguara. Desde 2019, tenho sido uma voz ativa em projetos indígenas, dedicando-me a fortalecer a luta nas cidades e nas comunidades. A missão de honrar e celebrar minha herança ancestral é o que move a minha escrita”.
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Qual a importância do Coletivo?
O coletivo permite que mulheres indígenas de diversas regiões do Brasil tenham acolhimento da sua forma de escrever, contar histórias e conservar as memórias dos seus antepassados.
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Firme
No pé do caboclo,
De joelhos para a natureza,
Saúdo os que já se foram,
E peço que me ajudem a seguir sendo
Firme no meu caminhar e na minha fé
Não ando calçada,
Sandália nenhuma me prende,
Nenhuma ameaça me surpreende,
Quem anda acompanhado,
Sempre levanta desagrado
E assim eu levo o meu canto,
E foi cantando que eu entendi que os teus santos
Trabalham “tudo junto” quando tem mal para levar
Respeita, filho! No cachimbo há sabedoria milenar.
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Guerreira na Cidade
Me tornei mulher forte por necessidade,
pois como mulher o meu corpo caminha exposto na cidade.
“Sem chão, sem terra, sem ter pra onde voltar”,
muitos assim dizem.
Sem acolher, sem questionar, dizimando o pouco
que nos resta para nos apagar.
Quem vê corpo não vê a história que de tantos nomes
católicos mudou o registro de Pindorama.
Sou território, sou ancestralidade,
Sou a fumaça do meu cachimbo que pede irmandade.
*
Ancestralidade, com amor
Antes de me ver indígena, eu já era
Sem saber, eu já traçava o meu caminho
O que tinha que ser meu retornou a mim
E nas folhas sagradas da cura e da compreensão,
Chamei de lar o que já existia dentro de mim.
Com o canto sagrado e com os pés no chão,
Com meu maracá e com a fé no coração,
Descobri que não preciso da sua “salvação”
Salve os caboclos, salve a Jurema!
Salve a identidade indígena!
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Caber
Quando dei por mim, já não cabia.
Não cabia a mim ditar os meus passos.
Já havia buscado em todos os lados,
preencher o vazio de quem eu era.
Pra quem acha que o “passado passou”,
foi lá atrás que tive que visitar
para me reinventar outra vez.
Lá encontrei histórias, muito tristes,
sofridas, mas também cheia de amores,
que sabiam quem eu era e quem eu sempre fui.
Perguntei então ao passado, pedi a benção à minha mãe,
à avó, à bisa e com o peito escorrendo sangue,
sangue vermelho, da cor de urucum,
resolvi enfrentar o mundo.
Ao voltar ao presente,
tentei sacudir a poeira do racismo do passado,
mas vi que um tanto de poeira, mesmo sacudindo, fi cou
e não há vento do tempo que retire.
E ainda tem gente que não admite,
que o passado do pobre tenha existido,
e tentam manter no abismo, a minha história nesse país.
Achei que soubesse, mas sabia nada,
ainda tem gente que não vê na minha cara,
o amor dos meus. E me chamam de pardo.
Fico pensando em quem não sabe de onde veio,
Nos amores que não disseram adeus, nem por fotos,
nem por memórias, quem é que vai contar
as suas histórias?
Mas encontro sossego, quando lembro que agora sei,
nem pardo, nem negro, indígena!