Especial Mulherio das Letras Indígenas: Jama Wapichana
Jama Wapichana é escritora, roteirista, pesquisadora de línguas e culturas dos povos indígenas. Graduada pelo curso de Gestão Territorial Indígena, com foco Patrimônio Imaterial da Amazônia, Mestra em Letras Literatura pela Universidade Federal de Roraima com foco Literatura Indígena, fez especialização em Incidência em Justiça Econômica para mulheres indígenas da América, Atualmente coordena o projeto Literatura indígena Wapichana e Inclusão, transformando em materiais em audiovisual para os Surdos na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
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O que o Coletivo representa?
O Coletivo continua sendo a força maior do que é existência do Povo indígena.
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O mendigo à primeira vista
A primeira vez que conheci um mendigo foi quando eu tinha apenas seis anos de idade. Morava em uma casa em frente à igreja Católica de São Francisco, no bairro São Francisco, em Bonfim. Na escola, meus coleguinhas comentavam sobre um mendigo que havia chegado recentemente e que ficava perambulando pelas ruas da cidade. Muitos diziam para tomar cuidado com ele, chamando-o de “doido”. Fiquei curioso para saber quem era esse mendigo. Com o passar dos dias, o mendigo começou a ir até a minha casa pedir água. Era um homem adulto, de 47 anos, baixo, peludo e com alguns dedos cortados. Ele andava sujo, mas era muito simpático. Em uma ocasião, ele me contou sobre sua vida, dizendo que era dono de uma grande fábrica de fitas cassete. Inocentemente, eu acreditei nele. Ele falava sobre dinheiro e administração, e eu olhava para ele com surpresa, pensando como um homem com tanto dinheiro poderia viver nas ruas. Em outros dias, eu e outras crianças subíamos em árvores para provocar o mendigo, e ele corria atrás de nós. Aquela foi a primeira vez que conheci um mendigo de verdade, pois até então eu só os conhecia por meio de fotografias em livros. Eu associava mendigos a crianças pedindo esmola em meio aos carros parados no semáforo, nas grandes cidades como São Paulo. Em 2017, na capital Boa Vista, com o intenso fluxo de migração venezuelana, comecei a ver muitos adultos, idosos e crianças mendigando nas ruas todos os dias. Já morava na capital naquele momento, e muitos deles falavam Espanhol e Warao, uma língua indígena. Isso me assustou e me fez lembrar da minha infância e do primeiro mendigo que eu havia conhecido. Em um dia qualquer, vi crianças do povo indígena Warao pedindo dinheiro no semáforo. Naquele dia, meu olhar se acostumou com a situação, mas logo em seguida fui envolvido em uma roda de discussão com uma líder que lutava pela vida dos imigrantes. Essa líder, chamada Irmã Telma Lage, disse algo muito marcante: “Nós não podemos normalizar os nossos olhares do dia a dia, vendo nossas crianças debaixo do sol escaldante, pedindo esmola para comer. Isso não é normal. Para ela, que comungava com a humanidade, era importante se revoltar com um olhar amoroso e acolhedor para que houvesse justiça. A experiência de conhecer esse mendigo na minha infância e presenciar a realidade dos mendigos nas ruas de Boa Vista provocou em mim reflexões sobre a importância de não normalizar essa situação e de buscar maneiras de ajudar aqueles que estão em situação de vulnerabilidade.