Especial Revista Ikebana: Um conto de Ariel Von Ocker
Ariel Von Ocker reside em Cuiabá, Mato Grosso. É escritora, psicanalista, poliglota e acadêmica de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturga e atriz. Autora com seis livros publicados, atua desenvolvendo pesquisas na área da psicanálise, literatura sob perspectivas historiográficas e análise do discurso.
Atualmente, trabalha como editora-chefe no projeto Revista Ikebana, redatora no Jornal Tribuna e responsável pela Agenda Cultural do Programa Nossa Gente, produzido pela TV Cidade Verde e apresentado por Michelle Diehl. Além disso, atua como representante da literatura mato-grossense no Coletivo Escreviventes.
Contato: @ariel_von_ocker
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Um beijo furtado
Era tarde quente depois do esporte. Corpos rotundos e pubescentes iam de um canto a outro como cometas vagando pelo insondável de um espaço longínquo. O sol, lá fora ardia e queimava como braseiro atiçado.
À porta do vestiário os garotos faziam fila para o banho. Dez entravam. Sentiam o frescor da água lavar-lhes o corpo suado. Saíam. Mais dez. Todo o ritual era sonoro e profundamente animal, como se um bando de jovens leões pusesse junto à prova sua masculinidade.
Ao fim de fila, os dois últimos eram os que falavam mais alto e mais revolviam-se gorilaticamente como aves exibindo as penas. Seu espetáculo era menos formoso. Exibiam os primeiros pelos no peitoral e as gotas de suor que escorriam como troféus de uma sagrada guerra.
Aconteceu, porém, caber um número de banhistas menor do que a fila acumulada. Havia dez chuveiros. Doze jovens. Assim que restaram apenas os dois últimos, que eram sabidamente rivais no campo tanto de futebol quanto da vida.
Saíram os dez. Entraram os dois. Olharam-se. A áspera e dura masculinidade de bronze. Músculos rijos e olhos cravados em fogo.
Uma escritora menos sincera diria que se odiavam por verem um no outro o expoente de um ideal: uma estrela fria e distante, etérea e absurda do que jamais alcançariam malgrado toda luta. De fato, o sentiam, mas não era tal admiração companheira de ódio. Para o provar, lhes conto que, depois do olhar sobre a nudez adolescente, o mais viril dos garotos tomou o segundo pela cintura e, sem vergonha de si e do companheiro, beijou-o. Não um beijo de apaixonado, é claro. Um beijo de volúpia, de desejo, fulgor…. Um beijo narcísico que dava mais em si mesmo do que no homem.
Banharam-se juntos.
Saíram sem se olhar, jurando para os outros companheiros o mesmo ódio renhido de antes.