“Estrela distante” de Roberto Bolaño – Por Andri Carvão
“O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com a apreciação sobre Estrela distante de Roberto Bolaño prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya, dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
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Estrela distante | Roberto Bolaño
Estrela distante é um romance do escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003), publicado em 1996.
O livro é uma espécie de continuação do romance anterior do autor, A literatura nazi na América. O último capítulo deste serve de estopim para a narrativa de Estrela distante.
Narrado em primeira pessoa, o personagem narrador conta como conheceu Carlos Wieder ou, conforme seu pseudônimo, Alberto Ruiz-Tagle. Ruiz-Tagle é apresentado como um poeta autodidata que participa das oficinas de poesia de Juan Stein e de Diego Soto, ambas na Universidade de Concepción. Ruiz-Tagle lê seus poemas para os grupos das oficinas como se estivesse lendo versos escritos por outra pessoa. Ouve atentamente as críticas positivas ou negativas sobre a sua produção sem esboçar qualquer reação.
“Morava sozinho (…), carecia de orgulho infantil que os demais poetas costumavam ter de sua própria obra, era amigo não só das garotas mais bonitas da minha época (…), como também havia conquistado as mulheres da oficina de Diego Soto. Numa palavra, era o alvo da inveja de Bibiano O’Ryan e da minha também.” (p. 18)
O personagem narrador e seu amigo Bibiano, compartilham o interesse pelas irmãs Verónica e Angélica Garmendia, as únicas poetas do grupo muito elogiadas pelo professor Juan Stein.
Além desses personagens, o leitor é apresentado à boa poeta “embora não tão boa como as irmãs Garmendia” (p. 18) Carmen Villagrán e também à Marta Posadas (a Gorda), estudante de medicina e também apaixonada pelo galã da poesia, mas de versos questionáveis, Ruiz-Tagle.
A ação se passa em meio à transição entre o governo de Salvador Allende e o golpe de Pinochett em 1973.
Marta Posadas (a Gorda) crê que a poesia “não-autoral” de Ruiz-Tagle tende a dar espaço para a “a nova poesia chilena”, como se o galã-poeta fosse a nova promessa daquele país, a nova sensação.
Com o golpe, as irmãs deixam a cidade de Concepción com destino a Nacimiento. Desse modo, o grupo se afasta por anos, em meio “à especulações daquele momento, os que certamente estavam presos, os que tinham possivelmente passado para a clandestinidade, os que estavam sendo procurados.” (p. 23)
Durante a visita inesperada de Ruiz-Tagle à nova casa das irmãs Garmendia, elas leem a sua poesia sob os olhos da velha empregada Amalia Malvenda e da tia Ema Oyarzún, tutora das gêmeas desde a morte de seus pais, o pintor Julián Garmendia e Maria Oyarzún.
Ruiz-Tagle é convidado a ficar para o jantar. Ele se nega terminantemente a ler seus versos, deliciando-se de olhos fechados com a leitura (ou as vozes) das gêmeas poetas, suas anfitriãs.
Tia Ema, surpresa com os poemas das sobrinhas, “como você consegue escrever essa barbaridade, Angélica, minha menina, não estou entendendo nada”, pede socorro à Alberto para que lhe explique as metáforas. Para isso, Alberto Ruiz-Tagle traça um paralelo entre a poesia das irmãs Garmendia e as obras de Sylvia Plath, Alejandra Pizarnik, Violeta e Nicanor Parra, a poesia civil de Jorge Cáceres, Anne Sexton, Elizabeth Bishop, Denise Levertov, sob os protestos das gêmeas poetas: “não, não gostamos de Pizarnik, querendo dizer, na verdade, que elas não escrevem como Pizarnik” (p. 26)
Após o sarau, como fica tarde para a despedida de Ruiz-Tagle, nada mais natural que convidá-lo para passar a noite ali, o que ele aceita com humildade.
Alberto Ruiz-Tagle, agora chamado de Carlos Wieder pelo narrador: “provavelmente transou com Verónica Garmendia. Não tem importância.” (p. 26) O fato é que ele se levanta mais cedo do que as moradoras da casa e é quando acontecem os assassinatos.
Exibição de poesia aérea, jatos escrevem poesia no ar, nos céus de L. A., em latim, o desaparecimento de alguns jovens poetas, a Escrita Bárbara, menções à Nicanor Parra, Huidobro, Gabriela Mistral e um pouco de depreciação à Neruda, influentes críticos literários do Chile, poetas ingleses, Octavio Paz, o galã-poeta Alberto Ruiz-Tagle era na verdade o entreguista Carlos Wieder à serviço da ditadura, ou era o cameraman de pornô hardcore R. P. English, suspeito de ter matado toda a equipe?
Em Estrela distante, Roberto Bolaño resgata a trajetória tortuosa de uma geração de poetas universitários, através de personagens que têm os seus sonhos destruídos e as suas vidas esfaceladas, devido às agruras de um período político conturbado na história recente do Chile. O escritor Roberto Bolaño, considerado o maior autor latino-americano de sua geração, faleceu prematuramente aos 50 anos de falência hepática, enquanto aguardava um transplante de fígado, deixando sua obra-prima para a publicação póstuma, a pentalogia 2666.
Edição lida:
BOLAÑO, Roberto, Estrela distante, tradução: Bernardo Ajzenberg, Coleção Folha Literatura Ibero-Americana, 140 p., Editora Schwarcz S. A., 1ª edição, 2012.
Mônica sena
Parabéns ANdri CARVÃO. SUAS PALAVRAS me DESPERTAm muita curiosidade. Não conhecia a literatura do BOLÃNO. E além da contextualização, você o apresentou muito bem. Um abraço.