Feminismo e Poder Político – Por Ariadne Marinho
“À deriva. E a flexão de um verbo, ‘derivar’. É a partir dessa imprecisão, ou da conjunção de várias imprecisões, que propomos problematizar os atravessamentos que compõem o ser e o devir. Os modos de ver e de estar no mundo”.
Ariadne Marinho é historiadora, pesquisadora e mãe de Dionísio e Tom. Cuidadora da gata-idosa Cavalo de Fogo e da jovem cachorrinha Frau Caramello. Doutora em História pela UFMT.
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Feminismo e Poder Político
2024 é ano de eleição. Embora os partidos políticos estejam agora preocupados em preencher a cota de gênero e raça, dificilmente pode-se afirmar que exista aí uma atenção genuína com a inclusão das minorias em seus quadros partidários. Na verdade, a possibilidade de grupos subalternizados historicamente ascenderem ao poder causa horror aos privilegiados de sempre. Nesse sentido, destacamos aqui o artigo “Feminismo, História e Poder”, da experiente pesquisadora e professora aposentada da UFRGS, Celi Regina Jardim Pinto, que chama a atenção para as complexidades da luta feminina e feminista dentro da arena política tradicional brasileira. A autora divide o texto em duas partes, quais sejam, o i) contexto histórico do movimento feminista e a ii) particpação da mulher na vida política.
Assim, historicamente a luta por direitos civis da mulher remete ao final do século XIX, notadamente com os movimentos das mulheres nas fábricas inglesas e suas reivindicações por melhores condições de trabalho e remuneração. E ganha força internacional com as chamadas “sufragetes”. No Brasil, as ondas feministas adquirem notoriedade um pouco mais tarde, sem dúvidas influenciadas pelas dinâmicas e ideias migrantes. De acordo com Jardim Pinto, é apenas nas primeiras décadas do século XX, com Bertha Lutz, que se inicia por aqui um embate pelo acesso ao voto feminino, efetivado então em 1932, mas inviabilizado alguns anos depois, pela ditadura do Estado Novo, em 1937.
Em sua análise, portanto, Jardim Pinto expõe uma realidade persistente que envolve a mulher, e que não se limita a arena político-eleitoral, embora afirme que sua preocupação principal “concerne à posição das mulheres no espaço público, mais especificamente na arena da luta política” (PINTO, 2010, p. 17). A autora adota, pois, uma perspectiva classista, que opõe o(a) oprimido(a) ao opressor. Deste modo, opera dentro de uma apreciação binômica: mulher-poder, homem-mulher. Ao enfatizar a ausência feminina nas instâncias de tomadas de decisão e poder político no Brasil, Jardim Pinto assinala que a negação de representatividade da mulher reflete senão a estrutura de dominação masculina, ou seja, um expediente do patriarcado.
A ex-professora da UFRGS apoia-se em renomadas pesquisadoras do cenário acadêmico internacional, entre outras, Judith Butler, Anne Phillips e Iris Young. Isso fica bastante evidente em algumas de suas provocações. É à Butler que está referindo-se, ao afirmar que devemos “pensar até onde as mulheres, quando saem do privado para enfrentar e/ou construir o público, tornam-se cada vez menos mulheres” (idem, ibidem). Um exemplo didático dessa questão – da diminuição do feminino – foram as eleições de 2008 no município de Porto Alegre, em que nenhuma das três candidatas à prefeitura defendeu qualquer pauta dirigida para as mulheres, para a sua promoção ou defesa. A campanha difamatória e o golpe perpetrado contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, consistem em outra expressão emblemática das ações masculinas – um corporativismo – que buscam silenciar e invisibilizar a mulher em espaços de poder.
A autora conclui a discussão pelo binômio “inclusão e exclusão”, questionando: qual a posição da mulher numa estrutura de dominação masculina? Para Jardim Pinto, “não se trata de defender a existência de uma mulher essencial, mas de uma mulher que se fez mulher historicamente, em uma dialética de dominação e resistência” (PINTO, 2010, p. 18). A mulher deve se projetar nos espaços de poder, principalmente na arena política, uma estrutura marcadamente masculina, e então propiciar diálogos entre as mulheres, possibilitando meios para o seu empoderamento, promovendo as suas pautas e as conquistas feministas.
Referência
PINTO, Celi Regina Jardim. “Feminismo, História e Poder”. Revista de Sociologia e Política, v. 8, nº 36, junho de 2010; pp. 15-23.