Formas de voltar no tempo – Por Lívia Corbellari
Na coluna “carne viva”, assinada por Lívia Corbellari, tem literatura, amor e outros demônios. Quinzenalmente, um papo de mesa de bar sem pretensões, aceita um copo?
Lívia Corbellari (Espírito Santo, 1989) é escritora, autora do livro de poemas “carne viva” (2019 – Cousa). Formada em jornalismo, trabalha com produção de conteúdo para internet e possui o projeto literário multimídia “Livros por Lívia”, sobre a literatura produzida nos dias de hoje. Recentemente iniciou um canal no YouTube de resenhas
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Formas de voltar no tempo
Todas nós temos aqueles livros que nos transportam para um lugar ou um sentimento muito específico das nossas vidas. Ás vezes só no folhear das páginas lembramos o que estava acontecendo naquele período em que lemos o livro, ou quando achamos algum papelzinho, bilhetinho (ou dinheiro, juro que já aconteceu comigo) guardado entre elas.
E uma das formas de voltar no tempo é riscando livros. Há quem condene, porém para mim a experiência de leitura só se completa com trechos grifados, observações nos cantos das páginas, manchas de café. É incrível pegar um livro que li há muito tempo e ter contato com essas anotações e poder ressignificar algumas delas e ver que os versos que faziam sentido para a Lívia do passado não fazem mais para a Lívia do presente (ou seria do futuro?).
Olhando “muito tempo o corpo de um poema / até perder de vista o que não seja corpo”, viajei no tempo pelo livro de Ana Cristina Cesar, que me levou direto para a minha adolescência. Lembro que ela foi umas das primeiras mulheres poetas que li e como isso foi potente para eu começar a escrever poesia também.
E então me deparo com a minha pequena edição de bolso de “A insustentável leveza do ser” e tirando a poeira abro logo em uma página que me chama atenção por estar grifada a caneta: “O sono compartilhado é o corpo de delito
do amor.”
Logo depois, outro livro me leva à época da universidade. “entrar no dia como quem arranca um dente”, leio de uma folha dobrada. E me lembro de como os poemas feitos de cidades e mares do livro “Paisagem sobre corpo em silêncio”, de Alexandre Moraes, me marcaram.
“Suave, aconchegante, como velhas e vagas recordações”, viajo para um tempo mais recente, lendo alguns grifos de “Caçando carneiros”, de Haruki Murakami, que me levam para o começo do meu namoro com meu companheiro, quando ficávamos lendo e trocando livros (o que fazemos até hoje).
Agora vou continuar aqui, congelada no tempo, relendo esses livros mesmo sabendo que tenho uma pilha de livros novos – e não lidos – para arrumar e um monte de trabalhos para terminar.