“Gardênia” (2017) – Por Wuldson Marcelo
Gardênia. Direção: Isabela Aquino. País de Origem: Brasil, 2017.
Na linguagem das flores, gardênia significa amor secreto. O curta-metragem de Isabela Aquino usa de modo bastante delicado a floriografia (que, durante o reinado da Rainha Vitória, 1837-1901, foi usada como forma de transmitir uma mensagem decodificada, geralmente sentimentos que, caso o artifício não fosse desenvolvido, talvez não chegassem a ser expressos). Em Gardênia, a flor é uma intermediária entre a emoção da protagonista Keyla e o(a) espectador(a), pois a jovem ama em silêncio a sua melhor amiga, que está prestes a se casar. E, para complicar ainda mais a sua situação, Keyla é a madrinha da cerimônia de união conjugal de Valéria.
Vemos os efeitos desse sentimento que sufoca a garota serem traduzidos pelas pétalas de gardênia. Para isso, o corpo se torna essencial. As pétalas se tornam vômito, lágrimas, peso e marcas de uma paixão avassaladora que não encontra vazão. O que chama atenção, inicialmente, é a posição em que está Keyla: no papel de madrinha, precisa ser a mais concentrada e empolgada, no entanto ela está angustiada, distraída e até aborrecida. Nesse sentido, é excepcional o trabalho da protagonista Ana Bárbara Vila Nova, com os seus gestos, silêncio e visível incômodo. Nada é brusco, mas comedido e sóbrio, como um sofrimento interior que é dado a conhecer de maneira minimalista.
O curta-metragem, de 17 minutos, é um cruzamento de realismo fantástico, uma garota cujas emoções a levam a produzir ou verter flores de seu corpo, e o cotidiano de mulheres da Zona Norte do Rio de Janeiro. O resultado é consistente, ainda mais por serem fragmentos que ajudam a inserir o público no meio social de Keyla, apresentando a sua personalidade e o que a aflige e entristece naquele momento.
Escolhas que fazem a narrativa se desenvolver vagarosamente, contudo de maneira envolvente, já que as dúvidas nos acompanham até o ponto que compreendemos a dor de Keyla e o que significa para ela o anúncio do casamento de Valéria (Jaqueline Calazans).
Gardênia é baseado em um conto escrito por Isabela Aquino, e há traços literários que favorecem a composição da imaginação e da melancolia no filme. E os planos, alternando entre longos e estáticos, contribuem para destacar a interpretação contida de Vila Nova e o que move, na verdade, paralisa Keyla.
Há uma sensibilidade que convoca ao descortinamento da metáfora em relação às flores, às gardênias e ao amor não correspondido. Não há pressa nessa intenção, e tudo é conduzido com segurança por Aquino.
É preciso destacar que, para alguns espectadores, pode escapar a simbologia da gardênia. Mas não é impedimento para a experiência fílmica proposta pela jovem cineasta carioca (hoje com 23 anos). O desafio da metáfora e do fantástico para expressar emoções represadas, de um amor platônico – aparentemente inconfessado pelas circunstâncias –, é ultrapassado pela forma em que a vida diária torna plausível esse momento na existência de Keyla e o que ela enfrenta.
Temos ainda, apesar do tom contido e sutil da obra, uma cena de explosão, que nos pega de surpresa, envolvendo Keyla e a irmã de Valéria (Tatiana Henrique), a única a perceber (o que corresponde a saber) o sofrimento da jovem amiga.
Gardênia é sensível ao retratar o desespero que sufoca e não grita a sua dor. Mesmo que, como já mencionado, a metáfora possa levar um tempo para ser decifrada por parte do público, a agonia e as sensações do amor não correspondido são preenchidas pelas imagens poéticas e pela aflição enclausurada no corpo, olhares e quietude “em chamas” – que rumam em progressão – que marcam a atuação de Vila Nova.
* Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.