Literatura e autoria feminina: Entrevista com Érica Azevedo – Serra Literária
Em dezembro, nos dias 08 a 11, ocorreu a I Festa Literária de Itaetê – FLITÊ. Festa que buscou fomentar a literatura na Chapada Diamantina e também enseja promover encontros culturais, ampliando e democratizando o acesso à apreciação e ao debate em torno de obras e manifestações artísticas. A FLITÊ inaugura sua trajetória com o tema Etnicidade e Diversidade, homenageando a escritora Carolina Maria de Jesus, autora do clássico brasileiro “Quarto de Despejo”.
Na sexta-feira, 09/12, ocorreu às 11h horas da tarde, na Casa domus litterarum, a roda de conversa “Literatura e autoria feminina”, que contou com a participação das escritoras Elane Nardotto, Érica Azevedo, Rita Queiroz, e Josimeire Santos Brazil.
Na coluna “Serra Literária” a colunista Nina Maria conversou um pouco com a escritoras Érica Azevedo acerca da literatura e autoria feminina na Bahia e no Brasil.
Quem é Érica Azevedo?
Érica Azevedo encontrou abrigo nas palavras ainda criança. É graduada em Letras Vernáculas e Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), doutoranda em Literatura e Cultura (UFBA). É escritora e professora. Participou de diversas coletâneas. Autora de Vida em poesias (Edições MAC/ Feira de Santana, 2002), Outros eus (Kalango, 2013), A chuva e o labirinto (Mondrongo, 2017), Cata-vento de Sonhos (Mondrongo, 2019); Lição da flor (Venas Abiertas, 2021).
Nina Maria pergunta a Érica Azevedo – Quem é Érica Azevedo? Poeticamente, quais são as características mais marcantes que atravessam a Érica professora e escritora?
EA: Érica é uma mulher que acredita no poder das palavras, é amante das flores, da chuva e sonha com uma sociedade melhor. E são esses aspectos que atravessam minha vida e minha escrita.
NM – Quando você se descobriu escritora? O que motivou e despertou esse oficio?
EA: Sempre digo que a escrita me escolheu e não o oposto. Quando me vi já estava rabiscando os primeiros versos, creio que a vida tenha me lançado para o universo literário.
NM – Quais são as principais características e influencias da poética de Érica Azevedo?
EA: Sou influenciada pela vida, pelas leituras (hoje de muitas autoras, diversas mulheres negras) pelos meus familiares. Talvez as principais características da minha escrita seja um pouco de cada universo o qual estou inserida.
NM – Sabemos que o espaço literário desde os primórdios é organizado e dominado pela presença masculino. No entanto, nós escritoras, ainda que à margem, sempre estivemos presente e sendo resistência, criando e fazendo não só a literatura feminina, mas como a literatura universal. Quais foram os impasses que você encontrou no caminho literário ante ao machismo que também perpassa o cenário da escrita?
EA: Quando comecei escrever, no início da adolescência, não tinha nenhuma consciência acerca do espaço literário. Eu era encantada pelo universo da leitura e, de repente, percebi uma necessidade de escrever e escrevi, publiquei. É o que continuo fazendo. Claro que hoje com plena consciência do quanto uma mulher precisa lutar para produzir literatura
NM – Celebrar aquelas que nos antecederam é preciso. Qual a importância de participar de uma festa literária cujo homenageia uma mulher negra como Carolina Maria de Jesus, que marcou e continua marcando e enfrentando o cânone literário?
EA: Não fosse a coragem e a ousadia de mulheres, como Carolina Maria de Jesus, que traçaram o caminho para que eu estivesse respondendo a esta entrevista agora, nosso retrocesso seria ainda maior. Por isso, celebrar e difundir suas obras deve ser uma missão.
NM – Falando e celebrando a escrita feminina, bem como a Carolina, você se lembra quando a leu Carolina pela primeira vez? Quais as principais impressões sobre essa escrita tão marcante? E qual a influência que Carolina Maria de Jesus exerce na sua vida literária e de escrita, bem como profissional, enquanto professora, e pessoal, como mulher de luta?
EA: O meu primeiro contato com obra de Carolina foi num curso sobre escrita feminina depois da graduação. Lembro-me de ter sentido um estranhamento e uma identificação. Escritoras como Carolina Maria de Jesus me influenciam a buscar alinhar o social e o poético não somente na escrita, mas em todos os aspectos da vida.
NM – Érica, em sua fala na Roda de conversa Literatura e autoria feminina na I Festa Literária de Itaetê, você comentou que em sua formação acadêmica, desde a escola à graduação, tivestes pouco acesso a literatura produzida por mulheres. Esse fato é um verdadeira privação, silenciamento e apagamento que quase todas as escritoras enfrentam, seja iniciantes ou consagradas. O que nós, enquanto mulheres independentemente de sermos escritoras ou não, mas sempre leitoras assíduas podemos fazer para que sejamos mais lidas em todos espaços, desde o literário até o acadêmico? Qual a importância e a contribuição do feminismo para romper com esse ciclo de apagamento? E como fazer o sistema mostrar mais mulheres na literatura?
R: Começarei pela última pergunta: Nós, mulheres já estamos fazendo o sistema nos mostrar. São nossas lutas que vem perfurando o sistema. Então devemos seguir escrevendo, nos unindo em coletivos, lendo umas às outras, nos fortalecendo. Embora o movimento feminista das duas primeiras décadas do século passado tenha legado uma série de direitos às mulheres (brancas) e possibilitou a ênfase sobre o feminino nas diversas áreas do conhecimento humano, inclusive na arte, as mulheres negras continuaram num lugar de opressão e precisaram construir seu próprio feminismo. Assim, os feminismos têm um papel essencial no rompimento desse ciclo de silêncio e apagamento.
NM – Uma fala sua que me marcou muito foi a questão sobre seu primeiro livro “Outros eus”, lançado em 2013 e a sua relação com a escrita. Você comentou que se passaram 10 anos para a sua escrita sair de uma Érica inconsciente e adentrar na Érica mulher. Simone de Beauvoir disse que não se nasce mulher, tornar-se mulher. Como foi e como está sendo esse processo de despertar a Érica mulher para além da escrita? E o que te fez acordar para o chamado e tomar consciência do ser mulher negra?
EA: Eu diria que é um processo contínuo, pois a cada dia minha consciência alcança um novo aspecto. Em “Outros eus” existem poemas com a voz lírica masculina, o que não ocorre mais em minha escrita. Sempre disse que meus poemas não sou eu, mas têm muito de mim. E a Érica, mulher negra, atravessa tudo que escrevo.
NM – Qual a importância de difundir a literatura e autoria feminina dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina, num espaço como a FLITÊ? E qual a relevância e o porquê de participar em eventos literários?
EA: A literatura deve estar presente em todos os espaços. Vi na FLITÊ a diversidade cultural da Chapada Diamantina. E isso precisa ser incentivado! Acredito que é importante participar desses eventos, entre outros aspectos, por dois motivos, o contato com outros autores e com os estudantes. Sempre que rememoro minha trajetória reafirmo a importância da escola e de muitos professores para que eu me tornasse a pessoa e a profissional que sou. Quando assisti às apresentações dos estudantes, meu coração se encheu de esperanças.
NM – Como nós, os leitores, podemos contribuir para a perpetuação e a disseminação da literatura e autoria feminina, principalmente, no que tange a Bahia, um solo fértil e sagrado de tantas potências femininas?
EA: Lendo a literatura de mulheres. É por meio da compra de seus livros, das discussões de suas ideias que as fortalecemos enquanto autoras. Neste ano, tivemos muitas feiras literárias nas quais a participação das escritoras baianas foi expressiva. Assim, também contribuímos para a disseminação de suas obras.