Manifesto de sonhos políticos- poéticos – Escritas em Revoada
O ano está prestes a findar, um novo horizonte existencial se apresenta para que continuemos a caminhar. Uma nova sensibilidade à Presidência nos renova a poesia do dia-a-dia que virá, apesar de tudo o que vivemos (ou deixamos de viver) de uns anos pra cá. Mulheres trans, mulheres indígenas, mulheres negras ELEITAS pela vontade de outras/os/es que também anseiam esse tempo mais digno, sementes de Marielle e de tantas outras que lutaram para assumir seu poder na construção de uma sociedade mais justa e democrática.
É desse terreno fértil em esperanças, onde plantamos as sementes-poesias do nosso (re)existir que, ao longo deste ciclo, temos acompanhado o germinar teimoso dos nossos sonhos de asa e plenitude, nesse mesmo compasso em que celebramos a aurora perfumada de novos dias, com mais respeito e participação das mulheres nos espaços de poder e dizer. Pela palavra solta, nossa voz se enlaça e se alarga, enquanto repartimos felizes e sedentas as pontes desenhadas pelo transpor das lagartas e é por meio delas que já traçamos planos de colheita e partilha pro ciclo que vem.
Ao testemunharmos o ruir, ainda lento e constantemente contestado, dos muros fingidos da Casa Grande com a expansão da voz, da escrevivência, da potência, do corpo livre de mulheres dissidentes, nos certificamos que embora não haja espaço para tréguas ou romantizações, é fundamental que celebremos as conquistas, sejam elas pequenas ou grandes (re)tomadas de poder, tendo em vista que ao longo dos séculos nossa existência foi negada e mais ainda das mulheres pretas, indígenas, pobres, periféricas, campesinas. Assistir à chegada da grandiosa Margareth Menezes ao Ministério da Cultura, depois de um período longo e tortuoso de desmonte das políticas públicas, de ataques sistemáticos à Cultura e às/aos artistas e mais ainda de institucionalização da misoginia e barbárie, é ver brotar, cá dentro de nós, sementes teimosas de afeto e risos; é esperançarmos um pouco mais e, ainda assim, nos mantermos na luta por mais conquistas e participação ativa; é gritarmos com Maga a plenos pulmões:
Eu falei faraó[1]
Êee faraó
[…]
E as cabeças
Enchei-se de liberdade
O povo negro pede igualdade
Deixando de lado as separações
[…]
E assim, nesse compasso de labutas e resistências, o rodopiar do tempo vai arrastando as horas para essa passagem ritualística dos anos e, com ele, a energia para continuarmos na luta se refaz, afinal ainda há muita palavra a ser liberta dos calabouços patriarcais e muitos corpos a serem reverenciados na gira sagrada do existir. É que como a água que se desloca sempre para as profundezas, à procura dos terrenos mais baixos, seguimos fluídas para o desejo mais profundo de sermos livres, numa intensa jornada de autoconhecimento e pesquisas de mundos e perspectivas; lá entramos em comunhão com a força ancestral que nos mantém muito vivas e ainda que a queda livre esteja permeada de nãos impostos e a luta se faça cansativa, sabemos o que queremos e somos a própria força ancestral de seres-cachoeiras, perenes, que não “arrega”, segurando em raízes envenenadas para não cair, irrigando e nutrindo outras raízes para nos reerguermos em solos harmônicos.
E nós aqui, manifestadamente ruidosas, aprendendo a criar textos coletivamente, a pesquisar coletivamente, a escutar e a falar, aprendendo a sermos nós e elas, sem anular a singularidade dos nossos “eus”. Filhas da Terra paridamente Poéticas-Políticas-Proféticas pra, com nossas existências, confrontar a usurpação, o estupro, a alienação de si. Corpas fêmeas, Suçuaranas, bélicas, silenciosas, festivas, emotivas, semiáridas, úmidas, irônicas, pacíficas, criadeiras artísticas.
Em minha mão trago um verso
Espada de abrir caminho
Mata a dentro atravesso
Percurso não é sozinho
A liberdade é direito
Mas não se faz garantia
Ao me mover me liberto
Daquilo que me prendia
O corpo sábio me guia
Pra onde eu busco ir
Quero na voz poesia
Quero por dentro o sentir
O sentimento do mundo
Quero aprender com você
Todo brotar vem do escuro
Nossa palavra é poder
SertãoSol
Ádila Madança
Pók Ribeiro
Dezembro de 22.
[1] Faraó: composição de Luciano Gomes imortalizada pela interpretação da cantora e produtora cultural baiana, Margareth Menezes
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Na coluna mensal Escritas em revoada, Ádila Madança, Pók Ribeiro e SertãoSol trarão retalhos e reflexões das suas escrevivências e de outras tantas mulheres do semiárido baiano, interconectando literatura com outras linguagens artísticas produzidas por mulheres. As colunas alternarão reflexões em torno do processo político-poético, entrevistas com mulheres escritoras do semiárido e degustação de textos literários e outras criações artísticas, numa perspectiva de enfrentamento aos padrões coloniais silenciadores. A coluna irá ao ar…. de cada mês.
Sobre as colunistas:
Ádila Madança é artista e mãe, natural de Juazeiro/BA, que transita entre as linguagens da literatura, teatro e performance.
Pók Ribeiro, é poeta, escritora e professora da educação básica. É autora dos livros Pedilua (2017) e Endométrio (2019) e um das organizadoras da LiterÁridas, uma antologia de mulheres poetas do semiárido baiano.
SertãoSol é artista arteira, agrocaatingueira e segue trançando caminhos poéticos que a levam a magia das linguagens literárias.