Manifesto Periférico – Caio Gabriel
Caio Gabriel é poeta e músico, está graduando em Letras (português/espanhol) na Universidade de São Paulo, e organiza o Sarau Marginália em Santana de Parnaíba, onde reside.
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TEIMOSIA
Tô teimando de tanto querer
tô querendo de tanto temer
tô sendo só teimosia
de tanto querer viver
Se eu amanhecer mais um dia,
é por pura teimosia
Se eu contrariar o destino,
é por pura teimosia
Se eu encontrar na vida gozo
é mais que teimosia
Pois, eu teimo
eu teimo e vivo
eu teimo e vivo e gozo
eu teimo e vivo e gozo a vida.
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ANA BAIANA BEZENDEIRA
para minha trisavó
Ana baiana benzedeira
senhora do bem
benedita rezadeira
Ana baiana benzedeira
corpo pequeno
matriarca Realeza
Ana baiana benzedeira
da longevidade herdeira
da vida longa desliberta
Ana baiana benzedeira
Realeza primeira íntima
última, ponte temporal
Ana baiana benzedeira
toda semana cata
descartáveis da feira
Ana baiana benzedeira
na cura dos males
sabida, à sua maneira
particular reza, faz
o bem sem olhar
a quem, sem mas, ou porém.
Ana baiana, nome
respeitado por
enfermos e sãos
de toda região.
Ana baiana benzedeira
era é será
movimento
é movimento, é corre,
morre ou não morre?
não morre
Ana baiana benzedeira
sem eira nem beira
seu alimento incerto, mas
Ana baiana benzedeira
era é será
alimento
Ana baiana benzedeira
era é será
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SOA UM CORPO
vai chegando a sexta,
vai começando a festa,
vai findando a semana,
é descanso ou promessa
vou esquecendo esse corpo-coisa,
esquecer este corpo-coisa-pouca, mas
não sou daqui
y eles não é daqui
não somos sua nação
impossível fugir,
não fingir brancura
entre é onde nós somos
ainda estou à procura
ainda estamos à procura
da paz, do passado, de nós
: sob o seu sossego surdo
do subsolo soa
da solidão de um corpo.
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MONUMENTO AO MESTRE CARMELINO
Ô Carmelino, eu vou erguer
um monumento de palavras pra você
toda gente vai ver
filhos e netos vão saber com carinho
em Cururuquara tem Mestre Carmelino
guardião da memória
contador de história
Mestre da tradição
pulsa bumbo
pulsa o coração menino
no centenário do Mestre Carmelino
Ô Carmelino, eu vou erguer
um monumento de palavras pra você
toda gente em todo mundo
vai saber que vive Carmelino
vive o samba de bumbo
Carmelino, o que eu vou fazer?
um monumento pra você
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ECOA OU CORTA?
fere a fera
face a face
fere o fasci
fira a cabeça
fira o ego ou seja eco
do eco do eco do ego
afia afia afia a faca
fé cega, faca afiada
afia afia afia a língua
veja bem, língua amolada
a ferida aberta pela fera
não cicatriza fácil não
não cicatriza amanhã também
não estanca no ano que vem
não tem band-aid ou merthiolate
ou beijinho da mamãe gentil,
é rinha, é combate
ainda dá rosas à fera?
a ferida é fome
e tem muitos nomes
que te consomem,
tem muitos nomes a fera
que te consome todo dia
afia afia afia a faca
fé cega, faca afiada
afia afia afia a língua
veja bem, língua amolada
veja à frente, veja o antes,
visão periférica, falante
amante da ação
com olhos nos pés e nas mãos
ainda guarda a língua na gaveta?
você quer uma saída de emergência
e não há uma saída de emergência
pensa estar numa rua sem saída
mas rua sem saída não há,
no labirinto da desesperança
existe a fera, a faca, a ferida
a fome, o fogo na mata e na lembrança
e você indo
e você fingindo beleza
uma beleza quase morta
adiante, o futuro te pergunta:
ecoa ou corta? e-c-o-a ou corta? ECOA ou CORTA?!
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