Nove poemas de Jacquinha Nogueira
Jacquinha Nogueira é uma mulher negra, filha do Recôncavo Baiano, poeta, professora, organizadora do Sarau Sapeaçu. Escreve para descalar a própria existência, pois se faz liberta no papel diante de um mundo que ensina as mulheres o medo de existir.
***
Celebro a mulher que sou
e a que está por vir
A menina- mulher que fui
e as que vieram antes de mim
Celebro!
Celebre!
Tudo que te trouxe até aqui
As raízes uterinas que te fizeram existir
Ser mulher dói
e nos amar é a força- coragem que não nos faz sucumbir.
Nesse mundo que só nos mata e a gente tentar não ruir, reexistir.
Ser mulher é ter a maior alma que eu já vi.
*
Hoje,
eu me olhei
e gostei mais
do que vi.
Sorri.
Não tinha mais uma mulher
na gaveta.
*
A cada novo dia
surge uma nova mulher.
Não dar mais para ser
quem eu fui ontem.
*
Mantra
Se o mundo desaba
e você continua…
Se o seu mundo desaba
e você continua …
a força construída
não foi breve.
Se eleve
de volta
ao sol.
*
Há dias que é preciso
abraçar
o nosso lado avesso
e se costurar
por dentro.
*
Descoberta
Acordou molhada
invadida
inundada
sedenta
o desejo consumia
o corpo,
mãos
e alma
inquietas
encontravam-se nos dedos
sussurros
gemidos
olhos quentes
corpo estremecido
Ela se olhava
e se amava
como se não a conhecesse
enquanto gozava
deitada na cama
estampava um sorriso nunca visto
depois de horas de prazer consigo
adormeceu leve
acariciada pelas próprias mãos
com feixe de luz sobre os olhos
percebera enquanto se olhava
tinha se descoberto
amanheceu
nua.
*
Eu sangro
Me recuso a ser essa rocha
que a sociedade dita
como mulher forte
A minha sensibilidade também grita
A minha vulnerabilidade também grita
O meu cansaço também grita
Há dias que só quero e preciso
estar no meu lado mais nu
tentando cuidar de mim
É quando eu preciso expor
as artérias da face
O que dilacera a alma
e suga o corpo
Não, não é o que me torna frágil
É o que eu sou enquanto humana
Ainda que ninguém goste de ver
Eu não sou rocha
Eu nao sou de ferro
Eu sou de carne e osso
A minha alma sangra
O meu corpo pede
Os meus olhos choram
E quando há necessidade de parar
Eu escuto o pedido da alma e paro
Não tenho medo dizer não
Nem a mim
Eu aprendi o quanto é importante dizer não
E assim tenho buscado a minha leveza
Até eu estar confortável em mim
Para depois agregar na sociedade
Em que eu não sou rocha, eu sangro.
*
Aprendi a dançar na dor
Aprendi a dançar na dor
quando a vida se afasta do paraíso
da paz de dentro
aprendi a dançar com o amor
para não sucumbir com os momentos
e pensamentos
aprendi a dançar comigo
quando eu sou caos
junto com os tormentos de fora
aprendi a dançar sempre
que a vida quiser me levar
para os abismos do mundo
para o fim da esperança
para o submundo da minha existência
onde tudo é dor
dor
dor
dor
aprendi a dançar com a dor
aprendi a dançar com o amor
aprendi a dançar comigo
aprendi a dançar sempre
para não morrer com
o mundo
aprendi a dançar na dor
aprendi a ser o amor
da dança que levita a alma
revigorando esperanças
possibilitando mesmo no medo
a calma
aprendi a ser o amor
que eu precisava
a dose necessária
para eu não ir com a vida
para a vida não se esvair de mim
aprendi a dançar com a dor
aprendi e escolho ser
sempre amor
ainda que eu esteja
a um passo do fim
a um passo de
não mais existir.
*
Vire.
Rasgue.
Mude.
Arranque.
Molhe.
Queime.
Seque.
Liberte a página.
O livro é você!