“O profeta impuro” de Manuel Vázquez Montalbán – Por Andri Carvão
“O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com a apreciação sobre O profeta impuro de Manuel Vázquez Montalbán prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya, dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
***
O profeta impuro | Manuel Vázquez Montalbán
O profeta impuro é um romance do autor espanhol Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003) publicado em 1990.
No romance a protagonista Muriel Colbert é uma historiadora norte-americana que pesquisa o desaparecimento de Jesús de Galíndez Suárez, representante do governo basco exilado e desaparecido.
“Jesús de Galíndez Suárez, professor basco, exilado da Espanha de Franco, desaparecido no dia 12 de março de 1956 em Nova York, depois de dar uma aula no salão 307 do prédio Hamilton, do Departamento de Espanhol da Faculdade de Estudos Gerais da Universidade de Columbia.” (p.35)
Norman Radcliffe, professor de ética de Muriel, e o investigador Robert Robard’s estão em seu encalço, pois o que se iniciou como um trabalho acadêmico, devido a sua pesquisa de campo, envolveu Muriel Colbert em uma trama internacional às voltas com o terrorismo no Cone Sul, os terroristas bascos do ETA – “Os bascos, uma raça misteriosa e lendária.” (p. 57) –, o FBI, a CIA, o PNV e a KGB.
“ – Deu-me a impressão de que o trabalho deixara de ser científico, e que inclusive já não era sequer especulativo. Muriel tomou o caso Galíndez como uma questão pessoal.” (p. 51)
Muriel teve um relacionamento com seu orientador Norman Radcliffe antes de conhecer o fotógrafo chileno Ricardo. Norman é pressionado pelo departamento da universidade para convencê-la a mudar o direcionamento de sua tese de doutorado, pois ela corre o risco de perder sua bolsa de estudos.
“(O professor de ética) É um radical da boca para fora que quer conservar o radicalismo e o padrão de vida. A batata quente está em suas mãos. Das duas uma, ou consegue convencer a Colbert para que pare de investigar o caso Galíndez, ou teremos de introduzir novos elementos de desorientação antes que a coisa vá longe demais.” (p. 120)
Ricardo, seu namorado chileno, fala de forma irônica sobre o desaparecido político Jesús de Galíndez, que povoa o imaginário de sua companheira como uma obsessão, mostrando claramente o seu ciúme. Mas Muriel Colbert não é uma marionete – é uma intelectual e uma mulher independente. A historiadora tem em mãos um trabalho sério e, por isso, é uma pesquisadora incansável.
“– Sou uma historiadora do comportamento, meu trabalho se relaciona com a ética. Fiz meu plano de pesquisa como podem fazê-lo milhares de estudiosos como eu, e seria pitoresco que alguém que estude o assassinato de Lincoln ou Kennedy pudesse ser acusado de organizar uma conspiração contra a segurança dos Estados Unidos.” (p. 363)
O profeta impuro inicia com fortes traços de romance erudito sobre o meio intelectual, e avança para um thriller político, abordando temas como censura e tortura, numa intriga internacional envolvendo vários países: Espanha e País Basco, E.U.A e República Dominicana.
“Só os totalitarismos podem tentar impor uma única moral, ainda que fracassem em seu objetivo. A democracia precisa de um poder disposto a construir e a praticar a dupla moral, caso contrário morre por culpa de sua própria inocência e vulnerabilidade.” (p. 64) Qualquer semelhança com a atual conjuntura política do Brasil é mera coincidência.
Uma voz em segunda pessoa (Você) se dirige à protagonista Muriel Colbert durante toda a narrativa, enquanto ela dita a sua própria pesquisa entrevistando pessoas que mantiveram algum tipo de relação com o alto escalão militar ou mesmo com o generalíssimo Trujillo; entrevistando ainda pessoas próximas de Jesús de Galíndez e também informantes, pessoas que a procuram trazendo informações a respeito do caso, depois de vê-la na televisão.
Sobre o desaparecimento do professor Jesús de Galíndez, há uma passagem que vale a pena pontuar:
“(…) É o morto sem sepultura. É como uma maldição. Quando não se enterra um cadáver, ele anda errante e reaparece quando menos se espera. Em mau momento lançaram-no aos tubarões, porque ele vive em cada tubarão e de repente se levanta como um homem, sai do mar e volta para a terra a fim de nos buscar.” (p. 218)
Não consegui entender ou descobrir afinal qual era o posicionamento político do autor. Mas mesmo que Manuel Vázquez Montalbán tenha tendências de esquerda (o que desacredito), não deixa de ser irônica tal passagem:
“ – Com razão se diz que Cuba está mais universal do que nunca, porque a ilha fica no Caribe, o governo em Moscou, o exército na África e a população vive em Miami.” (p. 143)
Viva a Globalização! (Contém ironia.)
Afinal:
“O fascismo está em todas as partes, inclusive no fundo de nossos corações.” (p. 336)
Independentemente de seu posicionamento político, trata-se sem dúvida de um grande autor espanhol, que é mais reconhecido por seus romances policiais, protagonizados pelo detetive galego Pepe Carvalho. Do autor já li a novela Quarteto e tenho na minha estante os romances Eric e Enid e Assassinato no comitê central, aguardando a vez para serem lidos.
Edição lida:
MONTALBÁN, Manuel Vázquez, O profeta impuro, tradução: Rosa Freire D’Aguiar, 391 p., Editora Companhia das Letras, 1ª edição, 1995.