“O quarto escuro” de Junnosuke Yoshiyuki – Por Andri Carvão
“O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com a apreciação sobre O quarto escuro de Junnosuke Yoshiyuki prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya [no prelo], dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
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O quarto escuro | Junnosuke Yoshiyuki
No romance erótico O quarto escuro, publicado em 1970 pelo escritor japonês Junnosuke Yoshiyuki, o romancista promissor Shuichi Nakata de 44 anos, narra em primeira pessoa as suas aventuras sexuais.
No bar “Loco”, acompanhado por seu amigo, o escritor Toru Tsunoki, eles conhecem duas garotas: Tae e Maki.
Nakata inicia um relacionamento sem compromisso com Maki. A filosofia sexual de Nakata é não se envolver emocionalmente com ninguém. Ele é terminantemente contra o casamento, constituir família, ter filhos.
“- Crianças?”
“- Não vamos ter nenhuma.”
“- Veja bem, é que a nossa família tem uma história de imbecilidade…” (pp. 43-44)
Maki é apenas um entre os inúmeros casos de Nakata, que preferencialmente se envolve com mulheres jovens, algumas delas casadas ou prostitutas.
“(…) É da natureza da juventude não ser capaz de pôr em prática tudo o que sabe.” (p. 20)
Nakata lê uma revista acadêmica patrocinada em 1948 pela Associação de Psicologia Cotidiana dedicada a uma coletânea de artigos sobre prostituição.
Alguns excertos de um debate promovido entre Nakata e outro autor publicados nesse periódico:
“A: Eu apenas não tenho força de vontade; não consigo deixar de tomá-los. Fico imaginando por que alguém que pode romper com as mulheres não consegue abandonar a droga.
Nakata: As drogas não têm uma vontade própria, portanto a comparação com os sexos não é válida. Para ser comparável à droga, a mulher teria que ser toda órgão sexual, sem nenhum cérebro.
A: Em outras palavras, as drogas dão apenas uma sensação agradável. Não é preciso tomar nenhuma iniciativa de sua parte.
Nakata: Você sabe… se você se ligar a uma cretina, o relacionamento pode acabar durando muito mais tempo.
A: Você chegou aonde eu queria. Talvez seja esse o ideal que estou perseguindo… Sim, essa seria uma mulher inteligente, então talvez seja melhor com uma que não tenha cérebro algum.
Nakata: Teoricamente falando, eu acho que sim.” (p. 48)
Outras mulheres a quem Nakata se divide: às vezes liga para Natsue, outras para Takako. Natsue é casada.
Nakata vai a uma consulta no hospital e encontra Uda no saguão onde trata sobre uma encomenda de um texto seu (um diário ficcional) para uma publicação. Os dois vêem uma mulher abandonar uma trouxa de roupa sobre uma mesa próxima, uma trouxa que se mexe. Ambos percebem que a mulher acabou de abandonar um bebê, mas nenhum deles toma qualquer atitude.
“Takako era sempre tímida de início, para depois ir se descontraindo, Natsue se comportava desde o início como se nunca tivesse ouvido a palavra pudor.” (p. 71)
Keiko é a esposa de Nakata que morreu atropelada. Ela permeia suas lembranças mais íntimas como um fantasma.
Yumiko, jovem de 23 anos mora por um período na casa de Nakata. Ele sentia que era bom ter a presença de uma jovem em sua vida. Ela é doméstica. Passado um tempo juntos, como ele não se relaciona com ela, nem ao menos demonstra interesse, Yumiko anuncia que vai se casar.
Nakata em uma viagem de negócios convida Maki para acompanhá-lo. Dormem em quartos separados. No trem, presenciam um fato curioso: dois passageiros sem bilhetes: um menino de cinco e uma menina de quatro anos de idade. “O menino tinha uma chave de fenda e uma furadeira em sua mão direita.”
“- Preciso achar um emprego.” (p. 85)
Maki retira uma lata de balas de sua maleta e despeja nas mãos das crianças. Pelo cheiro delas Nakata presume que tenham fugido de um orfanato.
A porta do vagão se abre para duas jovens vendedoras de comida e bebida. Maki convence Nakata a comprar para as crianças porque parecem famintas.
Na próxima parada, as crianças desembarcam e são conduzidas para fora por dois seguranças da estação. Maki e Nakata acompanham através da vista da janela: as crianças sobem uma escada e atravessam uma passarela que as conduz até a bilheteria.
“As crianças não se voltaram. Não havia nada atrás para elas olharem. O menino estava escondido atrás do uniforme do segurança, mas conseguiu visualizar a garotinha, esticando suas pernas ao máximo, no esforço para vencer cada degrau. Ela estava toda de vermelho: casaco vermelho, short vermelho; uma pequenina pimenta vermelha colocando laboriosamente um pé de cada vez no degrau seguinte. O guarda não fez nenhuma menção de ajudá-la; a parte de trás de seu uniforme azul-escuro subia devagar e sem expressão, acompanhando o passo das crianças.” (p. 89)
Quando o trem volta a se mover, Maki aponta espantada para Nakata a bala que a menininha havia deixado cair de seus lábios no chão.
Nakata se envolve com várias mulheres, mas, por ser ciumento, cobra de todas elas exclusividade.
“Quando duas mulheres atraentes se juntam, passam a existir num mundo puramente sensual. Sem gravidez, sem domesticidade, apenas o jogo dos sentidos. Uma mulher é muito melhor conhecedora do corpo feminino e suas sutilezas do que um homem. Uma mulher pode elevar a um ponto de fervura o corpo de outra mulher como a si própria. Os dois corpos com os seios inflamados se tocam não como a hera envolve a árvore, mas como a hera se enrosca na hera; buscando uma à outra, os longos cabelos se entrelaçando, até que tudo, afinal, se funde numa coisa só. Num líquido rosa pálido se evaporando em gás púrpuro – ou, talvez, um profundo vermelho vivo…” (p. 99)
Maki é lésbica e mantém relações sexuais com Nakata como forma de autopunição. Acontece que ela acaba engravidando.
Maki resolve mudar de país. Vai criar seu filho longe de Nakata.
O quarto escuro pertencia mesmo a quem? Talvez a Natsue…