O que não cabe e cabe dos afetos – Por Sarah Nascimento
Sinopse: Costumo me perceber como uma apaixonada pela vida e por aquilo que está no vulnerável de nossas multidimensões. E é a partir disto que estas poesias surgem. De uma paixão, de um amor que se reencontrou nessa vida, mas já não mais no mesmo fluir e que provocou em mim a mais bela expressão dos meus sentimentos tencionados nas dores e prazeres do que é viver. Viver, aqui, eu.
Da fresta do que a vida há de ser e do que é, cabe o que cabia neste peito tão dilacerado pelo afeto dos afetos que passeiam entre o que está na beira e no profundo. Que se escreve do branco e se cria das expectativas do que amo. Essa vida prega o improvável do provável e por cada suspiro profundo que me atravessa por pausas diárias. Há quem diga pela voz de uma gira e por segundos de perigo do presente. Há quem olhe nos meus olhos e converse por aperto no peito. Que toque onde há fardo e sopre com a vida para o que se martela e recria. Recria um caminho de coragem, de brincar com o fardo. Da fresta do que está sendo agora.
De: pra não esquecer não apague.
II
Ao tempo que é dado e que se vive, me percebo sem saber. E por palpitar o meu peito me pergunto o que se espera. Eu sinto como se a tivesse sobre a alma e que no respirar do inspirar eu a perdesse e dentro deste perder, a vejo como um poço do que dizer e não dizer. Eu a olho e é como se já tivéssemos feito isso de olhar a mais de uma, umas dadas circunstâncias que não cabem nesta vida. Vejo que o tempo como bom senhor do tempo a cada tempo sem se ver mexe com o sagrado que a nós implica. Eu fui sonhada a ela, mas há de se dizer que o abrir de seus olhos é como um passar que se arrasta e se posterga. E eu sinto que se escorre sobre mim o acesso ao meu próprio tempo e daquilo que sinto que ainda posso viver. E digo viver do que de mim é custoso o sangrar.
O amor aponta um caminho que a liberdade custará e eu posso dizer que estarei aqui, mas por trato de estar vivendo do melhor de mim. Mesmo que isso custe a ela. A nós. E nessa, nos olharemos dadas vezes.
III
É uma noite um tanto fria pro habitual desses últimos dias e de céu nublado sob mim.
Posso dizer que hoje não foi um dos melhores dias e eu mais uma vez me vejo atravessada por um coração machucado. Dessa vez foi uma experiência diferente e sinto que teria tudo para dar certo.
Apareceu e me permiti lentamente olhar com calma e com uma forma mais atenta e consciente. Senti o terreno e me apaixonei pelo que vi.
Eu vivi os melhores dias, que me ocorreu em uma aleatoriedade da vida. Ela me proporcionou pensar no amor formado por outras concepções e me fez me sentir companheira de si.
Posso afirmar que o cheiro do seu cabelo e do seu perfume irá demorar de doer e viverei esse momento com muito transbordar.
Segurei até onde podia do dito e não dito.
Estou emocionalmente abalada e desativada para os afetos que resultam no amor. Cansada. Há uma energia que foi cortada e eu sinto muito por isso.
De uma saída pra um bazar até o último eu não sei, convite e encontro na Almada.
Vivi o que vivi e sinto por isso.
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Sobre a autora: Filha mais nova de um relacionamento interracial de Everaldina Sousa Nascimento de Jesus e Eloi Crispim de Jesus, Sarah Nascimento de Jesus, mulher preta, baiana, soteropolitana, de asè, deficiente dos membros superiores, bissexual, mestranda em Ciências da Educação, concentra em sua trajetória, experiências descoloniais de um exercício visado ao compromisso ético político. Não tão obstante, em suas melhores encruzilhadas se afeta pela arte, poesia e música como uma forma de expressão singela de sua vulnerabilidade enquanto sujeito, corpo, político ancestral. Pelo navegar do que há de mais bonito em seu coração.
Sobre a coluna: A coluna “Sob o sol das escrevivências” – alicerçada na genialidade desse conceito, cunhado por Conceição Evaristo – busca contribuir com a democratização ao acesso e a publicação de autores que são invisibilizados pela elitização da literatura, questionando sobre “O que é ser poeta e escritor?” e “Quem pode ser poeta e escritor?”. Deste modo, em nossa coluna serão publicadas pessoas que com suas escrevivências entregam ao mundo seus textos e poesias potentes. Até porque a sociedade capitalista que vivemos preza e valoriza o ter. O ter financeiro, o ter do status, o ter dos títulos. Já nós, enaltecemos o “escrever (que não se restringe apenas a linguagem escrita), o “viver” e o “se ver”. Por isso, aqui serão publicados escritores e poetas da Bahia que SÃO: são potentes, são arte, são literatura, são poesia e sobretudo são as suas escrevivências, existindo e resistindo no mundo e ao elitismo literário.
Sobre o colunista:
Rafael Bessa é um jovem negro, santo-estevense que iniciou sua trajetória no mundo em 1997. Pesquisador e Futuro professor de Geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Rafael, no final de sua adolescência, encontrou na poesia uma forma de existir e experienciar o mundo. Mas foi nos anos iniciais da sua vida universitária que sua relação com a poesia se intensificou. Em 2018, com amigos, fundou o grupo “Válvula poética”, o qual promoveu algumas intervenções artísticas e o incentivo à escrita como válvula do mundo e para o mundo. Em 2021 e 2022, teve algumas poesias publicadas na revista Ruído Manifesto. Participou da Festa Literária de Santo Estêvão – FLISE 2ª edição (2021) como um dos escritores presente na antologia “Cartografias Poéticas: A joia do Paraguaçu em cena”, e foi o responsável por desenvolver a cartografia poética digital e interativa. É um dos fundadores e organizadores do movimento cultural “Sarau na Praça”. Atualmente tem a poesia, também, como meio de resistência, denúncia e disseminação da geografia com uma escrita geopoética.