“O Vidiota” de Jerzy Kosinski – Por Andri Carvão
“O canal que mantenho no YouTube desde outubro de 2021, Poesia Nunca Mais, onde indico livros e compartilho algumas de minhas leituras, deu margem a que eu escrevesse minhas impressões de leituras como roteiros para a realização dos vídeos. A princípio em forma de tópicos, resolvi organizar os escritos de modo a que pudessem ser lidos em algum meio: blog, rede social, site etc. Com a apreciação sobre O Vidiota de Jerzy Kosinski prosseguimos com a coluna “Traça de Livro: …impressões de leitura…”.
Vida longa à Ruído Manifesto e aos seus leitores!”.
Andri Carvão é formado em Letras pela Universidade de São Paulo, autor de Um sol para cada montanha, Poemas do golpe, Dança do fogo dança da chuva e O mundo gira até ficar jiraiya, dentre outros. Apresenta o canal no YouTube Poesia Nunca Mais e publica poemas quinzenalmente no site O Partisano.
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O vidiota | Jerzy Kosinski
Chance foi criado por um homem denominado como Velho. Sua mãe morreu durante o parto e ele é filho de pai desconhecido. Analfabeto, vive isolado dentro de casa dividindo o seu tempo entre molhar o jardim e ficar na frente da TV. As únicas pessoas com quem mantem contato, além do Velho, é a empregada negra Louise que ao ficar doente, voltou para a Jamaica, sendo substituída pela Gorda, a quem Chance não tem a menor simpatia.
Chance transita entre o jardim e a sala de TV. Este microcosmo é o seu mundo, o seu único mundo possível: como na caverna de Platão, ele não conhece o mundo exterior.
Até o dia da morte do Velho, quando há uma certa movimentação na casa, mas não a ponto de alterar a rotina de Chance. Assim que se estabelece uma aparente normalidade, ele volta a assistir à programação da TV e vai dormir.
Seu Velho morre e Chance logo é procurado para o inventário. Embora tenha residido na casa desde criança, não há registro algum que comprove oficialmente o seu vínculo com o falecido. Chance está com os dias contados para deixar seu lar.
Ao colocar o nariz para fora de casa pela primeira vez em anos, uma limusine, ao dar a marcha à ré, esmaga sua perna no portão. Sra. Benjamin Rand, carinhosamente chamada de E. E., por conta de seu nome de batismo Elizabeth Eve, juntamente com seu chofer, socorrem a vítima.
Chance se apresenta à dama como Chance, o jardineiro, pois esta era a sua função na casa. Só que a Sra. Benjamin Rand entende Chauncey Gardiner, sobrenome inglês semelhante a gardener (jardineiro). Como Chance assistiu várias vezes na TV uma pessoa assumir um novo nome ou identidade devido a alguma confusão ou incompreensão, ele adota o nome Chauncey Gardiner.
A Sra. E. E. leva Chance para sua mansão, onde ficará hospedado sob os cuidados de seu médico particular a quem dividirá a atenção com seu esposo (dela). O Sr. Benjamin Rand é um rico empresário do Financial Institute e está muito debilitado por conta da idade avançada.
Após a primeira noite de estadia na mansão dos Rand, Chance acorda com a notícia, informado pela secretária do Sr. Rand, que a Sra. E. E. precisou fazer uma viagem de última hora para Denver e que o Sr. Rand receberá a visita do Presidente dos E. U. A.
Os homens do Serviço de Segurança do Governo fazem uma revista minuciosa nas dependências da residência, tanto da casa como de seus moradores. Na sequência, o helicóptero do Presidente pousa no Central Park e logo o Chefe de Estado faz companhia ao Sr. Rand e a Chance, na biblioteca da mansão.
Ao Sr. Rand é cobrada pelo Presidente dos Estados Unidos a sua presença em uma conferência importante, mas o empresário se desculpa por declinar do convite por motivos médicos. Instado quanto a “fase ruim no mundo das finanças”, Chance responde: “Num jardim há a estação do cultivo. Há a primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois, de novo a primavera e o verão. Enquanto as raízes não forem arrancadas, está tudo bem e terminará bem.” (p. 44)
O Presidente dos Estados Unidos elogia o otimismo de Chance e afirma que “é isso que nos falta no Capitólio”.
Quando o Presidente e sua comitiva deixam a mansão, Chance acompanha pela TV o mais influente Chefe de Estado do globo, a quem acabava de apertar a mão, acenando da janela do carro oficial para a multidão aglomerada na Quinta Avenida.
Em seu discurso na reunião anual do Financial Institute, para tranquilizar à audiência em resposta ao aumento da taxa de desemprego, o Presidente diz: “Já houve época de primavera e época de verão, mas infelizmente, como em qualquer jardim, também há a época das inevitáveis ondas de frio e mau tempo do outono e do inverno.” (p. 46)
O Presidente anuncia em rede nacional que esteve em um encontro com líderes da comunidade empresarial e cita os nomes do empresário Sr. Benjamin Turnbull Rand na casa de quem estivera também com o Sr. Chauncey Gardiner.
Ao fim do pronunciamento do Presidente na TV, o jornalista da Times Sr. Tom Courtney liga para a residência do Sr. Rand para falar com Chance, o qual é informado sobre a indicação do nome do jardineiro para assumir a Presidência da First American Financial Corporation.
No dia seguinte, Chance é comunicado pela secretária do Sr. Rand a respeito do convite dos produtores de TV para participar do programa Esta Noite, devido à impressão que causou no Presidente dos Estados Unidos.
“Será que depois do programa haveria dois Chances, um que assistia TV e outro que aparecia na tela?” (p. 49)
O desenrolar dessa trama é o que nós espectadores/leitores vamos ver.
Jerzy Kosinski (1933-1991), escritor polonês naturalizado norte-americano em 1965, é autor de Pássaro pintado, entre outros livros e responsável também pelo roteiro da adaptação cinematográfica de O vidiota para o filme Muito além do jardim (1979). Acusado de plágio, suicidou-se.
No posfácio de O vidiota, o escritor Xico Sá compara Chance a Bartleby, o escriturário, novela de Hermann Melville, o funcionário que resolve dizer ao patrão que prefere não fazer, não realizar a sua função. Pegando esse gancho, acrescento a essa novela midiática e fabular de Kosinski, onde Chance passa do controle da TV na mão para o controle da situação política dos Estados Unidos, a teoria do meio é a mensagem de Marshall Macluhan, os 15 minutos de fama apregoados por Andy Wharol e a crença hollywoodiana de que você pode ser um completo idiota (como Forrest Gump, por ex.), mas, desde que tenha tido a chance de nascer nos Estados Unidos da América, a terra das oportunidades, você é um vencedor. O vidiota, antes de uma crítica ácida, é um libelo que ironiza o american way of life, onde em cada quintal tremula a bandeira estrelada de listras brancas e vermelhas que caracterizam o sonho americano como um tapete mágico a alçar voo lado a lado à águia. Grande Chance!
Edição lida:
KOSINSKI, Jerzy. O vidiota, 108 p., tradução de Laura Alves e Aurélio Barroso Rebello, Ediouro, 1ª edição, 2005.