Oito poemas de Fábio Rabelo Rodrigues
Fábio Rabelo Rodrigues nasceu em 1987, em Goiânia, e mudou-se em 1991 para Fortaleza, onde mora. Formou-se em Direito e atua como advogado. Publicou poesia e conto em coletâneas, e em 2016 recebeu menção honrosa na Bolsa Hugo de Carvalho Ramos. Estreou com o recém-publicado O som canhestro (7Letras, 2023).
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dos métodos
eu não tenho método,
tenho fúria e ímpeto e o sol preso às costas.
levo no corpo os próprios ossos.
os meus ossos.
uma parte que ainda que me dói,
o suor frio, a tensão e o nervo.
nada mais a carregar, senão o corpo.
toda a bagagem.
*
mercado
no corredor de um mercado um corpo.
no corredor do mercado um corpo.
no corredor um corpo por quatro horas
aguardou coberto entre caixas e 4 guarda-sóis
que a ambulância chegasse.
por 4 horas um corpo teve apenas caixas e guarda-sóis
para protegê-lo do público.
o mercado não parou.
*
cotidiano
aceita-se às segundas-feiras que se possa atrasar,
além de esquecer a chave dos correios e a comida do almoço.
na hora de comer vai-se à zona de armistício.
sabe-se por jornal que tudo corre mal.
e em muitos lugares não há tempo hábil para erguer os olhos.
procuramos uma tarefa menos árdua de pensar no mundo.
às seis recolhemos todos os esforços, quando, de volta à casa,
deve-se alimentar o gato, dormir
e sonhar.
*
mansidão e delírio
é aterrador como a simples disposição do corpo,
este nosso corpo,
no mundo
(colocação de carne e delírio),
pode ser capaz de nos desorganizar.
*
a bala de prata
a terra arrasta mais terra.
se há um pouco de luz, há a falta.
e se é tempo, se esgota na emergência,
entre palavras e um cano de pistola.
o sopro não dado, os pés que se avolumam,
os olhos tardios de fome e
os gritos após o disparo não entendem nada.
entre o horror e o ódio há mais horror.
quisera pertencer a dor e a tragédia
às páginas amareladas dos livros.
mas a barbárie persiste,
a barbárie está sempre à espreita
em busca de um corpo que afundar na terra.
*
[para sair do chão e dar em qualquer parte…]
para sair do chão e dar em qualquer parte
é preciso um braço estendido
e um pouco de sangue.
o milagre está no abismo
porque quando se tem a água nos pés
e o mar nos afunda a cabeça,
é necessário arrastar a terra desde baixo
ao alto.
e tocar tudo a volta com as mãos exaustas,
a lembrar dos corredores, dos dias de chuva
tão raros com gente ao lado.
e dos pais e avós calcular os rostos
com a lembrança imprecisa de há trinta anos,
quando tudo era indício.
tudo existia com a simplicidade da infância
e era simples ter os pais e os bichos na habitação possível.
*
acabamento
um poema não cresce sobre estruturas,
não advém do nome preciso que a palavra invoca,
e que, no entanto, significa morte.
não é a pequenina luz, não ilumina, não brilha,
e o que nele mobiliza não faz mover nem faz pensar.
sua voz não corresponde a parte alguma,
nem é a minha voz e nem quer sê-la.
um poema não representa ninguém, e sequer deve representar.
no vazio que habita só lhe cabe esgotar o mar,
beber o mar, se houver mar à vista.
*
túmulo
era deserto como tudo na vida
é deserto, como é vago,
é deserto, como o que é vago e deserto
e permanece.
havia o deserto
como um condicionamento da lâmina,
faca apurada nas pontas,
uma faca que se amola ao ferro.
era deserto, digo,
a cúpula era todo o deserto.
meu coração era só e deserto.
era deserto como a palavra
é deserta.
como a palavra que é túmulo
e estrada da vida.
ManoelQueirozAssis
A poesia está no caixão, só falta enterrar. Falta a alma… Se não há um sentido… Quem os lerá? Entender… Não há nada a entender… O Brasil têm bons poetas… Porém, não há lugar para eles… Entendeu!