Oito poemas de Rosy Nascimento
Rosy Nascimento, 1995, é artista trans não-binárie natural de Natal (RN). É Bacharelu em Comunicação Social com ênfase em Audiovisual (UFRN). Dirigiu e roteirizou Te guardo no bolso da saudade (Mulungu Audiovisual, 2021). Escreveu Desvio (Editora Nua, 2018) e as zines independentes Soul Cactos (2017) e Vômito dos meus excessos (2016). É Mestrande do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM – UFRN).
***
a mente vagueia
no campo minado
de palavras vazias
como se ela mesma
preparasse as bombas
e montasse as armadilhas
meu corpo é o eito
do combate.
*
ruge um mar em mim
violento, tsunâmico
que engulo
no goto.
*
cansei de
enterrar
os mortos
no quintal
o sangue
é guerra
e, o suor,
fel pra
necrópole
o futuro é uma sutura.
*
a vida é vaga
reticente
movediça
atiça a carne
chuta o ventre
irrita a vista
me vence
pelo cansaço.
*
curioso como o meio-dia
chega mais rápido
que a meia-noite
no terminal do serrambi
de óculos escuros
em tarde nublada
lembro do grafite
descascando no guarda-roupa
e da promessa de gravar
minha assimetria em todos
os contornos da cidade
menos por ego e mais
por receio do esquecimento
da revolta diária da existência
que ninguém interrompe o dia
para ver-ler-decodificar
traços de quem conjurou
o pior dos tempos de
todos os mundos
sobretudo, aquele outro
marcado pela desistência
de uma saudade ou
o arrepio de uma canção
nas peles negras e nuas
longe uma quina da outra
sussurrando que nunca
havia sido sobre amor.
*
o sumiço é o pior tipo de adeus.
dediquei-me a suspensão do tempo a esquiva das escolhas como daquela vez que evitei falar de como me sentia para não presenciar mais uma partida não contei da baixa imunidade das noites insones da vontade braba de pular da newton navarro das manchas roxas na pele ou do vício no cigarro da minha incapacidade de tomar boas decisões ao contrário te recitei pássaro de djavan falei de poetas que devido a cor não tinha a metade do reconhecimento articulei as melhores lembranças da infância mesmo que não passasse de fantasia do umbigo ainda guardado na caixa de fósforo da gaveta do meu pai tudo pra não te perder de novo como da primeira vez que nossas peles se cruzaram e tudo ficou em stand by inclusive o encontro de nossas bocas quando segredávamos o queríamos quando muitos com grana no bolso e vivendo a melhor vida não. não falávamos disso. mencionavas o ofício de cantor e eu o da escrita apesar das fabulações nada mais cogitava que a tua língua brincando com a minha derme da mesma forma como brinco com palavras sentindo o gosto etílico da sudorese da maconha na mucosa respirando fundo coração em estado de arritmia disso restou pouco quase nada nem mesmo uma carta um adeus ou uma lembrança que desse conta de encerrar a conexão.
*
eu e minhas meninas
de stiletto e neon
brindamos o fim do mundo
no horizonte explodem
fogos de artifício junto aos
ruídos da nossa gaitada
apesar da iminência,
prometemos não cair
na besteira de sofrer.
*
o sorriso não transparece
a tórrida rispidez
dos dias insólitos
tampouco, acusa a lucidez
degenerada por reguladores
de humor e antipsicóticos
contudo, ainda é melhor sorrir
devorar o mundo
à remendá-lo.