Oito poemas de Thales Gabriel Moura
Thales Gabriel Moura reside em São João del-Rei- MG, é transhomem, poeta, graduado em Letras e mestre em Teoria literária e Crítica da Cultura pela UFSJ. Possui, ainda, pós-graduação em Didática e trabalho docente pelo IF Sudeste MG – campus São João del-Rei. Atualmente é doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela UFMG. Teve alguns de seus poemas publicados pela Revista Mallarmargens em 2020.
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FORJA
1
Transição:
exercício de não esmorecer
no primeiro golpe
2
um coração grande no peito
entre mordentes se comprime
faixa, tape ou binder redefinem
uma morsa?
3
engenharia transversa
Transhomens fabricam
Seu pau a pump
*
ANGELICAL
os anjos de Rilke
os anjos de Piva
toda Travesti é um anjo
terrível & selvagem
*
MARTELO & BIGORNA
a pressão arterial
a pressão social
a pressão parental
um desgaste pela fricção
de corpos ásperos e aflitos
*
METAL COM METAL
ter um corpo
não é tanto
quanto existir
impactar metal com metal
com total precisão
pois cada peça que eu crio
com a paciência de um carrasco
a espera de sua vítima
mantém um nervo rijo central
uma ponta forte para penetração
impactar metal com metal
com total precisão
a temperatura é a alma
e o coração uma lâmina
como se o fogo andasse comigo
moldar o aço vermelho vivo uma
experiência de vida sublime, atroz & letal
negociar com as vísceras todos os dias
arder em chamas
desejar viver
*
O HOMEM DE LATA DE OZ
honey,
o existir
enferruja
a pele
as palavras
o caminho
a vida inteira
estivesses vivo
teria desejo
pulsaria o metal
que o envolve
sonharia em dueto
mas o que quer
é ser polido,
perfeito.
*
MAS VOCÊ ESTÁ QUEBRADO
cada barco atracado
sussurra abandono
a ferrugem na proa
memória de mãos
toque suor digitais
que ficaram, que ficam
a lembrança uma brasa
avivada que queima
sob qualquer sopro
de vida que valha
toda água que bate
nos cascos
sugere que a vida
não deve parar
não pode parar
mas você está quebrado
e as correntes que o prendem
entoam o lamurio
do que se larga
ao sabor do tempo
e então
no relento meu corpo
generoso em excesso com o rio
deteriora em silêncio
*
PANDEMIA
há dias seguro o choro
não há respiradores
que aguentem
minha agonia
cavalgo um coração
solitário e selvagem
preso nas memórias
do amor que tinha
iremos todos morrer
é o que dizem
e eu me antecipo
deito no chão gelado
e finjo que parti
ninguém se dá conta
são corpos demais
preenchendo jazigos
aqui faz silêncio
ninguém pode me ouvir
me sinto seguro
em minha estúpida
insignificância
uma peça quebrada
que não se encaixa
e fica jogada num
canto da casa qualquer.
*
GELADEIRA
de dia, o alimento conserva
e a noite, o seu ruído
uma companhia
vontade de com ela
aprender a congelar os dias
rir com frieza
da nossa falta de sorte.