“Os Banshees de Inisherin” (2022) – Por Thiago Costa
É tempo do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.! Como todo ano, a premiação, também conhecida como Oscar, supostamente indica e condecora os melhores filmes, atuações e trabalhos técnicos da temporada. Um propósito no qual falha, às vezes de modo ofensivo para os amantes da sétima arte, desde 1929. O que ocasiona decepções e polêmicas, aumentando seus detratores. Oscar, afinal, é honraria da indústria e não reconhecimento artístico. Por outro lado, o troféu tem seus admiradores, que se sentem representados pelas escolhas da Academia e até promovem bolões. Mesmo críticos de cinema têm esse hábito.
Independentemente do amor, da repulsa ou da indiferença, o “The Oscar goes to…” segue cativando e movendo cinéfilos, confirmando o lugar da festa hollywoodiana como a maior cerimônia de premiação de cinema que existe no mundo (cuja audiência diminui ano após ano).
Como amamos cinema (e assumindo as incoerências da vida), convidamos escritores, críticos e estudantes de audiovisual para escreverem sobre alguma das 10 produções indicadas à categoria principal: a de melhor filme.
Martin McDonagh está de volta ao Oscar depois dos prêmios recebidos por Três Anúncios para um Crime (2017). Desta vez com Os Banshees de Inisherin, uma comédia dramática sobre o fim de uma amizade, que é avaliada pelo escritor e historiador Thiago Costa.
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Os Banshees de Inisherin. Direção: Martin McDonagh. País de Origem: Irlanda, Estados Unidos, 2022.
Escrito e dirigido por Martin McDonagh, o longa se passa em uma remota ilha irlandesa, no ano de 1923, período final de guerra civil (que se seguiu após a guerra da independência daquele país), e retrata a vida austera de um solitário fazendeiro, Padráic Súilleabháin (Colin Farrell), que vive com a irmã, Siobhán Súilleabháin (Kerry Condon). A monotonia do cotidiano de Padráic é interrompida quando o melhor amigo, Colm Doherty (Brendan Gleeson), decide encerrar a amizade inesperadamente. “Eu não gosto mais de você”, diz Colm, pávido, à um desconcertado Padráic. A trama, então, acompanha os esforços cada vez mais desesperados de Padráic em entender a rejeição e em recuperar a estima perdida de Colm.
E, de fato, é difícil imaginar a antiga amizade. Ressentido e amargurado, Colm é músico amador, toca violino. É tão solitário quanto o ex-amigo e ainda mais sonhador e idealista. Preocupa-se com a arte, com o não-esquecimento que uma composição artística proporcionará ao seu autor. E nisso é irredutível. Padráic é um simplório, gregário e ingênuo, que ama os animais e não entende os seres humanos. É chamado de “obtuso”, “estranho”, pelos poucos vizinhos e conhecidos da pequena ilha. Não consegue lidar com as próprias emoções. E, ao longo do filme, sua vida fica mais pesada, embora continue rasa: a irmã aceita um trabalho no continente e vai embora; seu animal preferido, uma mula de pelagem escura, morre, e isso deixa-o furioso. Assim, junto com a impenetrável solidão, a incapacidade de lidar com situações inesperadas acaba convertendo-o em uma pessoa vingativa e inconsequente.
Entre as bonitas vielas externas e os abafados cenários interiores, do único pub da região – onde todos vão beber às duas da tarde, horário em que anoitece na ilha – e das casas rústicas e simples – dos irmãos Súilleabháin e de Colm –, a impressão é de que tanto no filme quanto o próprio filme, seus personagens e conflitos, seguem em uma circularidade, uma suspensão que não admite perspectivas de resolução. A vida é o que é, dirigindo-se para lugar nenhum, sem expectativas. Aliás, a expectativa é o que mantém a trama alinhada: espera-se.
A presença (que deveria ser) enigmática da anciã que prevê o futuro confere uma aura de mistério. Suas palavras de que “em um mês, uma ou duas pessoas morrerão” na ilha, criam de fato algo de sombrio, acentuado com a insistência desengonçada de Padráic e as ameaças de mutilação (contra si) de Colm. Logo, renova-se as esperanças pelo inesperado, por uma espiral de atos imprudentes, de loucura, uma reviravolta que possa, enfim, levar o longa ao seu clímax. E, nessa espera, tudo (ou o pouco que se vê) torna-se já muito previsível, marcado.
Sem maior desenvolvimento, a tentativa de tornar o filme envolvente, com uma atmosfera nebulosa e ameaçadora, é apenas superficial. Os silêncios, que poderiam aumentar a sensação de desequilíbrio, de incômodo e de introspecção, raramente estão aí. Embora se trate de um drama, com doses quase imperceptíveis de humor negro, são escassas as cenas contemplativas, que produzam alguma reflexão a partir da imagem. Mesmo com a bonita fotografia e uma impecável direção de arte. As paisagens são realmente belas, mas servem como meras coadjuvantes, um detalhe que passa, diante das esquisitices de um insistente Padráic e do sinistro imperturbável de Colm. O desenlace surpreendente (que não é, na realidade, o fim do conflito entre os dois), parece um tanto exagerado, inverossímil, mesmo que o exagero e o absurdo sejam parte da trama, um traço do estilo.
Supõe-se que a pretensão de McDonagh tenha sido a de mostrar a transformação do protagonista, a mudança do herói em uma jornada moral em terreno desconhecido – em que foi jogado pelo rompimento com Colm –. Mas Padráic continua o mesmo de antes: seus métodos é que mudaram, como qualquer criança birrenta em qualquer playground do mundo. Nesses casos e para certas pessoas, a rejeição e a incompreensão de si – e do outro – podem ser perigosas. Ou talvez seja outra propaganda dos exuberantes cenários insulares da Irlanda dos avós de McDonagh, já que seus filmes anteriores também foram rodados (ainda se usa esta expressão?) no interior irlandês. De qualquer forma, a indicação ao Oscar de Os Banshees de Inisherin como melhor filme deste ano demonstra a completa irrelevância da premiação ao afazer cinematográfico. A Academia e o Oscar não conhecem e, mais importante, não ligam para o cinema.
Onde assistir: Em cartaz nos cinemas.
* Thiago Costa é historiador. Autor de matarasa, covagrande (Rizoma, 2022).