Os outros, sertão de argila escura – Por Adair Cauã Vinicius Nunes
Os outros, sertão de argila escura— impressões de leitura
O livro “Os outros, sertão de argila escura” (2ª ed. Parresia, 2023, 182 páginas), de W.A. da Silva, é literatura pós-moderna e trata, em versos, dos muitos matizes da existencialidade sertã, provavelmente a mais profunda das culturas de fundura do universo. No livro, apresentam-se diversos seres encantados, presentes em nossa flora baixeira de planície e nos altos picos das serras de Água Branca e de Pariconha. São estes encantados, as cigarras como divindades de salvação, os faunos, maribondos, lobisomens (coronéis sem disfarces), a argila como eixo epistêmico, o rio vivo.
Apologias esféricas, como nos diz o autor — a linguagem não é fácil, “nesta geografia dos olfatos” (p.19); passa longe dos cordéis, ou os reinventa por meio de uma reflexiva mental complexa, imagética, inventiva, febril e que rescinde da rima. Esferas me lembram algo tridimensional, mas sertão de argila escura transcende altura, comprimento e profundidade, e é como um portal caatingueiro e também vereda para bem longe (aos que desejam ler e pensar). Escrita com o espírito de Cobra Nonato, Guimarães Rosa (Guima) e Graciliano, transcende o tempo, através de miudezas psicofonéticas e ao mesmo tempo corrente, na arquitetura barroca e experimental do linguajar do povo encantados às margens do Opará.
E assim entrando na “quadridimensão” do texto, eu leitor me vesti de mato, no verdor, de orvalho e de relva me investi, dos tons da argila (mãe de todos aqueles personagens refeitos de chão), de vento e de poeira autêntica no moer de lajeiros me vesti, até me conectar com o todo, me relendo sertanejo anelante a este mundão de bioma encantado.
Gênesis, Adão, argila e pão, a moldação do primeiro humano, de repente se vê o lusco-fusco e Clarão (a Aufklärung) e aquelas vozes dizendo-nos “HAJA LUZ!”. Porque a ontologia do sertão também é urbana, letrada, pensante, inventiva e galopante, entre o Rio, Delmiro Gouveia e o planalto que se alteia muito em Mata Grande. Eu me lembro também de Arthur Bispo do Rosário que escrevia nas paredes, pois aqui também se teceu outros mantos e estandartes e inventários de mundo.
Falando de pessoas, os personagens vivos dentro do livro, que ainda dentro dos versos romanceiam, há os profetas amigos de Jezabel e os profetas do silêncio, que profetizam longos hiatos e por vezes monossílabos abafados pelo barulho do vento contra as folhagem densas dos dosséis. Ah, pobre Antônio Balduíno, lutou, lutou e às vezes tomou do galego, ha-ha-ha, que loucura esse Jubiabá. E há essa loucura chamada diatribe ou agon em cada página, cada vez que se trate de gente, de andróides ou de almas sem cor.
No livro, a palavra “Pós-Clonazepam” me faz lembrar dos meus cenários Pós-Zolpidem, matutando sobre existência Material, Metafísica e até Ê Batumaré, de Herbert Vianna. Observando aqueles ícones e lembrando-se da sua existência, material e substancial, Jesus! Eu grito, será que vós me ouvis? Acredito no fundo do meu fêmur que sim. E corrobora nosso autor, quando diz no livro “Amanhã outra vez as cigarras de argila”, ou em sala de aula “Meus pulmões já estão cheios de ventania.”.
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Adair Cauã Vinicius Nunes é estudante, natural da cidade de Delmiro Gouveia, Alagoas. Filho de dois professores, desde pequeno, nas viagens com sua mãe à capital da energia (através da extinta via da Real Alagoas) sempre despertou apetite pelas histórias da vida sertaneja dos ascendentes de sua mamãe, ao mesmo tempo em que vislumbrava a recôndita, formosa e labiríntica mata branca. Deve ser daí que o entusiasmo tomou conta, apaixonado pela beleza dessa enigmática região, é aficionado desde os contos da sua terra com a “perene gracilianidade” passando por Patativa do Assaré, Jorge de Lima, até o baiano Jorge Amado, e como desassisado que é, você deve estar pensando que ele aprecia a Filosofia, é… você acertou…