Poemas de Bruno Oggione
Bruno Oggione nasceu em 1990 na cidade do Rio de Janeiro. É graduado em Letras (UERJ), mestre em Literatura Portuguesa (UERJ) e doutorando em Literatura Portuguesa (UERJ). Autor dos livros Mãos de Ninguém (pequenas astúcias) (Editora Morandi) e Velas pandas, andas… – Ode Marítima e Os Lusíadas (Folio Digital, no prelo). Tem poemas publicados nas revistas Mallarmargens e Aboio.
***
Escrita prática das mãos
versos de látex, as mãos
movem a escrita dos nomes.
coração de espuma,
aprisionado rei
as mão se movem
como uma rede move-se em suas costas
como os testículos da pantera se movem
salsugem de mulheres do mar.
*
um verso se levanta a cada nome
noite de formas onde a tardia
sílaba desperta
sobre as muralhas de chuva da cidade.
um verso avança seu nome
hora de pinheiros, sombra
humana
palavra acrescentada sobre palavra.
*
ardidas, as mãos se fecham.
testemunho remexendo-se na veia,
que é da vida, rito de sombra,
espantosa
conversa dos mortos?
as mãos deslizam: pintura
de ossos aleatórios
entranhas de ouro contra o absoluto
cortina de flores. boca de trevas
que alcança, falsa dor,
sonho ornado na pele.
*
e como se retorna? que escrita
descasca os sexos do nome?
que memórias palpitam? que boca
curva, inquieta, o ópio do vinho?
concha do mar, como se olha?
rua de pedra, como se desce,
ensinando o obscuro?
*
murmura: aberta ao meio
a longínqua risca da língua
a esferográfica canta. ária,
riacho de nome frio,
sistema reverso desse mistério
de papéis estrangeiros: a faca.
onde escreveu o medo que a estremece,
cantante, na galática noite?
não como a frase
conforme os versos
mas como o corpo
que a contra-pontada sangra.
*
assim as mãos. nas vagas do dia
estranho que corre
aponta seu desdém
branca toalha alada
pensa os símbolos do mundo.
os versos não se erguem.
as mãos desterram.
eles talham as pálpebras do cansado
rosto que são conversas de magia.
esta, plácida e anônima de marinheiros,
grande,
diante de um abismo menor
abismo maior.
***
as sereias se flexionam: em
sonhos os
assombros
fixam-se profundos.
com transparente sal
das ondas de ouro,
sobre a areia, sobre a areia,
espumam a eternidade
em todos os olhos
e mundos
***
o sinal algébrico brilha e palpita na face da terra
o rosto comprime-se contra o fogo
e me separa dos anjos
tiroteio
o arrepio dos homens que reina entre as ruas percorre mares
e digo a mim mesmo o alcance da poesia
nada mais admirável que a revolução desses corpos
***
os jogos monstruosos as mãos
que constroem a casa
detrás da penumbra
se novamente buscasse o tempo, fiel às janelas,
e uma náusea passasse aqui, deste lado da sala, no
corredor onde a infância sai de mim,
eu perseguiria os reflexos por
este lago
acima
***
duas sombras
se envolvem
logo irão
nos envolver
no túmulo
uma lâmpada vibra
mármore e véu
as duas bocas
no templo de anúbis
respiram gás
alguém
divulgou um ídolo
que não se aviva mais
sob o poente
o uivo tem o
estertor
de um voo
ele arde no
púbis da meretriz
baudelaire acende
seus rubis no esgoto
***
A revelação pela pedra
aqui regressei espantado
com as espumas sobre os espaços
espantado branco luzidio
salgado como as conchas
pedra revela-me a vida
arfada e inicial
eu quero começar
o marítimo rito
que me espraia azul
***
a alma silenciosa
rasteja etérea a outra alma
enquanto a sílaba recolhida dos lábios
bela
abre seus olhos circulares e
a noite se fixa de estrelas
***
em gesto de enfrentamento e chamamento
a tua visão atravessa o reino do segredo
– noturna silenciosa plena nua
e como imagem de tempo rápida e verdadeira –
e sob o caminho dos véus vive
abandonada por tudo que vive
em gesto de chamamento ou enfrentamento
***
O monumento
a saudação demente sombreia no corredor
um retorno de vazios mágicos.
deles parece se erguer a celebração
do monumento sobre as tumbas cinzas.
a aparição cai como uma tocha flamejante.
ora é a tocha que é uma aparição, onde o monumento,
noturno, rito eleito, arde
nas horas-mortes, todo ausente.
***
Arte plástica
de angústia desejo-te;
arte,
e contudo mímica.
de angústia
o futuro trespassado de espíritos,
plástica
arte
de séculos –
onde gritam e vibram
trágicos e românticos;
assim desejo-te
sem fim
e contudo incompressível
como a postura do daimon
(época de todas as mentes antes
e depois das mentes
quando o ator pensa e atua).
de angústia,
onde finalmente se extinguirá
a véspera desta manhã
por enquanto solene.
***
a relevância dos espíritos para o símbolo!
espíritos, tempestade:
agora
o símbolo vibra e tomba, vi-
da conjurada num círculo
teu (ou nosso), constelada
dos mistérios,
pela imensidão dos mistérios.
***
a água nos recorta
com seus silêncios.
os sonhos que deslizamos
não nos abandonam.
estão nos açoitando
com sua marítima travessia.
a violência com que transparecemos
a palavra
fixa o nosso espanto
e os nossos navios.
***
Visão
ofertei-te a ousadia da perfeição diluída.
no mar sombrio, jogando com as pedras,
no deserto que somente rompia a superfície vítrea
ressoando o seu ébrio líquido,
silenciosamente vi a tua travessia
cortando o horizonte.
***
A sílaba do Olimpo
esta sílaba não a achei num poema
mas no clássico fogo deslocado e medido
inventei-a no olimpo num sopro junto ao espaço
próximo às composições ébrias das desordens
que aqui trazem o contraponto das traduções
***
Minotauro à margem: ida (39)
dias outonais
noites
tempos de saudade
esta mão é uma saída
uma saída
esta mão
joelhos ladrilhos monstros
cânticos arquitetônicos como rilke
memórias de benjamin
esta mão é uma liberdade
e uma saída
noite terrível
estrelada de metades
bordas onde o anjo
não chega para o sopro
amarelo (loucura)
elo esta mão a saída
apontada no concerto sagrado
na ponta sagrada
um pulo
um pulso
o ruído desliza o medo
e vasculha no ninho
cosmogonias multidões resoluções explicações adivinhadas
defasagens de vida brancos
no pulso
uma cadência de ciclos polifônicos
disfônicos
a margem é isso vazamento
de cena cinzento
manchado de mancha
argonautas âncoras
uma figura de penélope
nas repartidas
a margem espera nisso
mudo berra
nisso mudo
erra nisso mudo pertinências
pés reafirmados através
cóleras
demências
à margem
via-crúcis centros esferas
barras sacudidas
silenciadas
sob quedas boreais
sob o dom da origem de
quixote