Poemas de Ernesto Stock
Ernesto Stock é autor do romance A Fantástica epopeia que não era e além da literatura também se dedica a fotografia, ao cinema, cerâmica, artes plásticas e o que mais vier por aí.
***
Entre os Dentes
bem de perto
aberto
anunciadamente
pretenso
antes de mais nada
onde a espada
e o pescoço
se tocam
indecisos
a maciez reticulada
o hálito hepático
e o destino suspenso
dançando sobre a água
da tempestade que a própria
dança causava
*
Baker Street
E eu, deitado,
acabado,
qual morto,
executado a queima roupa,
roupa de cama nova,
escutava você
batucando com a aliança
na taça de vinho
e você,
rindo da mesma piada
do detetive inglês
a televisão gato
os gatos,
nunca elementares,
derrubavam latas de cerveja
o chão melado
o vento gelado da noite
eu nu
e
você com a minha camiseta
e você com a minha camiseta
eu já nem tão morto
e você batucando com a aliança
isso, uma aliança,
na taça de vinho
que, na verdade,
era uma caneca de chá
de vinho
e eu,
nu, gelado
bem mais vivo do que ontem
que pensei
que nada podia ser mais
do que a imensidão
que já era
*
Amém
Que tudo o que escorre de nós
em um drive-in
divino se faça
entre os perdidos
e que toda aquela prece,
gritada, implorada
abençoe sua falta de fé,
e de grito
*
Crucificação
Recolhe
nossos olhos vermelhos
de ressaca e desperdício
entre as mãos
soprando no ouvido
estatelado, por pouco surdo,
a oração que desprezamos juntos
sem que a fé fosse zombada
a reconfiguração conveniente
das crenças e das verdades
prometemos
juramos de joelhos,
fanáticos e excitados,
devotos da própria crucificação.
*
Gatos
Dezenas de gatos pretos
de olhos amarelos
cruzavam todos os dias o meu caminho
os meus caminhos
que se repetiam em um emaranhado
de azares que nunca vieram
por sorte ou pelos gatos
ou pelos olhos amarelos
a gata mais velha
dormia enrolada feito uma serpente
colada no meu peito
durante todas as madrugadas
miava e mordia minha orelha
pedindo comida
todas as noites
às três da manhã
eu abria meus olhos quase sempre exaustos
resignados e obedientes
os grandes os olhos amarelos
postos e luminosos
tão próximos dos meus
que quase se tocavam
levantava no escuro, tátil
e sempre quando olhava pra trás
em busca dos olhos amarelos
dava de cara com o teu corpo nu,
insinuado entre os calores e os sonhos
que quase nunca lembrava
e acordava assim, desmemoriado
jurando que os gatos pretos
me traziam sorte demais.
*
Gravura
uma revoada vermelha
e o sangue seco
que não servia mais de alento
quentura ou esteio
o cheiro que não existia
do voo que imprimia,
no chão,
a intensão dispersa
do movimento
e por dentro
ao contrario
exposta ao vento
que levava e já não era
o que ainda se movia
era a lembrança do voo
*
mina
cantares,
como o som da água que enche
e o eco da volta que estende
todo o verso que forma
ante o endereço imenso
que emoldura
o cenário daquela historia
verte e inunda
a força do rio que corre,
o corra do vento que para
e o medo do horizonte
que paira.
voa, sobre o espelho do lago
largo e raso e nosso
e,
na margem,
outro lago
mina intermitente
de saliva e vontade.