Poemas de Jèssica Pujol Duran, com curadoria e tradução de Gladys Mendía
Jèssica Pujol Duran (Catalunha, 1982). Além de poeta, é tradutora e pesquisadora acadêmica. Sua poesia explora a versatilidade da linguagem e o ritmo entre diferentes idiomas. Ela se preocupa com o meio ambiente, a sociedade de consumo, as relações interpessoais e a comunicação das emoções. Sobre esses temas, ela publicou três plaquetes de poesia em inglês, “Now Worry” (Department, 2012), “Every Bit of Light” (Oystercatcher Press, 2012) e “Mare” (Carnaval Press, 2018); dois livros em catalão com a editora Pont del Petroli, “El país pintado” (2015) e “ninó” (2019), e dois em espanhol, “Entrar es tan difícil salir” (Veer Books, 2016), com traduções para o inglês de William Rowe, e “El campo envolvente” (LP5 Editora, 2021). Atualmente, vive e trabalha em Santiago do Chile.
***
Fragmentos de Entrar é tão difícil sair
Os alimentos que definirão as linhas do corpo
queimamalíngua
a embalagem prometia
mas a digestão élenta
eu não ignoro que a digestão
élenta
mas omito os ingredientes e vou projetando presenças ácidas
e meu rosto se enruga
o que a embalagem do corpo futuro advertia?
algo que todos entendemos todos concordamos
mas são os pedaços que não se dissolvem
o desconforto que você conhece,
o gosto a expressão,
o queteempurra
a engolir maisaçúcar
e buscar a definição de refluxo em uma tela
queaglutina e caduca
como você
a iluminação pública entra na intimidade da sua casa
a minha é este ponto no mapa
se você ampliar a imagem
ME VERÁ APONTANDO PARA ELA
no Google Maps a maré de pixels nosune e nos se pa ra
Através da tela vejo
uma penumbra de oceanos desertos e selvas
vejo
uma concentração de riqueza em intensidades luminosas
vejo
sangue
animais que caçam
uma mariposa gigante
voa em sua direção
eu a vejo pela tela
se você ampliar a imagem
ME VERÁ APONTANDO PARA ELA
a combinação de telejornais
não traduz o que os sentidos experimentam
quando se encontram pela manhã
e o entendimento falha
e os órgãos da ação se calam
(a ambiguidade é uma arma
dupla
carregada
apontada
As cavidades receptivas são anteriores
à formulação do canto
esta definição entrou pelos sentidos
no passado
sua lembrança ainda está viva
sua representação É
se expande entre as fibras sintéticas do meu casaco
creio poder deter
oalcanceda catástrofe
mas é uma armadilha
isso cai
isso passa
e nenhum sinal representa o esforço
com que esfregoamancha
a linguagem já estava lá
o sistema já estava lá. lá. lá
ai! o sistemaestáestragado
sem valor no chão
os apartamentos
flutuariam gratuitamente
pelo espaço.
queimaalíngua
o sistema o sistema o sistema
estragado
trilhos sem terminal
imagens embutidas no cenário
divisões abstratas
consequências reais
sangue
animais que caçam
índices que escolhem
as imagens
que silenciam
a catástrofe,
se pa ram-nos
do primeiro
que nunca foi
do seu corpo
que nunca.
você compra ou sai
não haverá maneira de quebrar os vidros?
as vidraçasàvenda estão quebradas
os manequins voam como anjos,
finalmente a moda acordou os cadáveres.
NÃO
é preciso voltaraentrar
é preciso continuar planejando pela cidade
mas foi tão difícil sair
do CENTRO
que estávamos tão confortáveis DENTRO
———–
* Gladys Mendía (Venezuela, 1975) é escritora e editora. Tradutora do português para o castelhano, contando entre seus trabalhos de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada “A catedral da desordem” (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017) e participou do Workshop de Criação Poética com Raúl Zurita (2006). Publicou em diversas revistas literárias, assim como em antologias, sendo a mais recente “Temporary Archives, Poems by women of Latin America”, ed. Juana Adcock e Jèssica Pujol Duran, ARC Publications, 2022, Reino Unido.
Seus livros são: “O tempo é a ferida que goteja” (2009); “O álcool dos estados intermediários” (2009); “A silenciosa desesperação do sonho” (2010); “A grita. Reescrita de As Moradas, de Teresa de Ávila” (2011); “Inquietantes deslocações do pulso” (2012); “O canto dos manguezais” (2018); “Telemática. Reflexões de uma adicta digital” (2021); “LUCES ALTAS luces de peligro” (2022) e seus mais recentes livros cocriados com Inteligência Artificial: “Fosforescência tigra”, “Aire” e “Memorias de árvores” (2023).
Ela é editora fundadora da Revista de Literatura y Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde o ano de 2004. É cofundadora da Furia del Libro (Feira de editoras independentes, Chile). Como editora, desenvolveu mais de vinte e cinco coleções de poesia, narrativa, ensaio e audiovisuais, publicando mais de 500 autores.