Poemas de João Frajmund
João Frajmund é poeta, capoeirista, professor de educação física com experiência em diversos segmentos da educação pública. Na vontade de reunir os fragmentos do caminho entre corpo e palavra busquei nas artes do corpo essa pulsação de existir num momento-raio no espaço em que busco em performances poéticas expressar o indizível da poesia. Especializei-me em Técnica Klauss Vianna, uma proposta dos estudos da presença e compreensão de si em movimento na dança. Desde então tenho buscado integrar poesia e gestos na elaboração de performances poéticas que resultaram no trabalho de conclusão de curso “A corporificação da palavra: Técnica Klauss Vianna, poesia e performance”. Hoje sou professor de dança e educação somática e busco comunicar didaticamente a poesia da dança e das palavras.
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Conjuramento
Prefiro não falar:
Que adivinhemos nossos termos
percamos nossos ermos
A rebuscar o caminho do vento
Ao centro do meu
ritmo
Profanai
Todos os signos
Pois tudo é findo
Desde que seja
Sonho
Desde que venha
Risonho
Sê meu mundo;
Sobreponho e aviso:
Não retiro este siso
Apenas sangro versos da dor
E componho
*
Parto bailado
Palavra ave solta
gesto e amplexo
asas revoltas
Ar-ticular con-Texto
melodia envolta
de chão meu sexo
esfaimado beijo
meu pulso no eixo
me deixo…
:
escapular voragem
neural
voltagem
impossível
me caço
do indizível capto
;
meu pulso no espaço
descalço
entre novelos
bailantes
meus desvelos
torvelinhos
exangues
penas minhas
tramantes
meu pulso
… um destino
nessas vias
arteriais linhas
tempo solto
ser descrito
caminhos sanguíneos
corpo & grito
jorram na sala
roto e menino
meu pulso
peregrino
nesses passos
revolvo
meus cascos
civilizado-
selvático
aos galopes
me refaço
como golpes
suas crinas
me envolvem
ofuscadas retinas
pela fúria equina
perguntas esvoaçantes
numa garganta
salgada
em mares distantes
me alcançam
me trançam
meus remansos
sem
tamanhos
sou-sendo-fui
no hoje o amanhã
me calo ontem
pássaro colhido
abraço despido
louco vagido
: eu
gesto fúlgido
do vazio:
renascido
*
A manga e as mordidinhas
Quando te ofereci uma manga-rosa
(rosa como o vermelho-alaranjado
de um nascer do sol nos seus olhos)
cortei em cubos que não se desprendiam
do horizonte entre nós dois
e abriam em flor ao gosto
da sedenta fronte
que um passarinho
raio por raio
saboreava
o sol por inteiro
com a sutileza de quem se despe na cama
como queria ser eu a manga
e meu nariz, meus dedos
meu ser por inteiro caísse
nessa ritualística de moça
faceira
me transfundisse
e lentamente, docemente…
me desfizesse nas suas entranhas
como quem deleita e se emaranha
no seu fado:
nem deus nem alado
mortal-homem
pela tua delicada visão
renovado.
*
Menina
Menina,
eu gostaria de ter a paixão
dos suicidas
e assim sobrevoar
estas ruas desconhecidas
Ser eu a desbravar estes mares sem fim
como se fossem minhas as suas dores
em revoadas e outras cores
Menina,
mas é triste o fim do dia
é triste mesmo
essa alegria
que me vem
quando falta sua melodia
Mas desbravaria suas retinas
se eu pudesse
ah… se eu pudesse
calaria e a tudo compreenderia
Mas resolvi ser poeta
e amar a tudo
e ser o mundo
com seus enigmas
e como os quero…
do suicida ao monge
são meus pares
minha triste vida a esvoaçar
pelos ares ao longe
E eu a te mirar
com apaixonado fascínio
Como um louco
e seus desígnios.
*
MeMóriaMálgama –
Falo “nós”
e sinto
cheiro de fruta depois
da tempestade
Embebido
em desejos
da terra
em que manejo
minha cotidiana guerra
ouço a ave
dos sonhos
numa manhã redescoberta
na palma do tempo
falo mato e me vem
cachorro
viola café
vapor
me enlaço
raízes expostas
no meu encalço
te chamo
:sumo
vento & fumo
murmúrio d`àgua na barriga
aconchego
festa de filha na ventania
peles arfantes sob
nossas camisas
falo medo e me remeto:
no orifício em torvelinho
nebulosas galáxias
portais da eternidade
um quintal
uma saudade
pesadelos fundam deuses de aço
o escape ao desejo de colo
e pele ao fim de tarde
matizes sonoras nossas
plantas desvanecentes
olhares incrédulos face
ao vermelho dourado
nós dois
mundos de labores
entre trens fantasmas
gente faísca
em corpo:
reúno brasas com dentes
antes que as cinzas me devorem
clavículas sorriem
negligentes
dizem vida
por vias arteriais
ísquios nossos
caminhos revistos
sob teus
cílios
pisca
apaga
retoma
o adereço na sala
fotos
espalhadas
navego
costelas flutuantes
busca & amálgama.
*
A escritora e a dançarina
para Clarice e Jussara
o momento a impelia
ao deslizar da mão…
no tamborilar seu labor
o burilar da palavra
no sumo
fragor de
fogueira
bailado sobre fumo
onde a memória cava
como um sussurro
da brisa
aquecida a brasa
ao toque da mão
na folha
impedância do murro
desenrola a vida
onde a pergunta cala
nos ecos do tempo
uma ex-
plosão de
gestos
não se evita:
pari breve pergunta
exposta
ao vento
Presença de corpos
entrelaçados
num corpo
são,
de fato
ecos de outras danças
em outras camadas
ressurgem
do magma à
litosfera
carícia na face
frêmito de terra movente
pelas eras
… outros corpos
silencioso estampido
ritmos que nos
serrr
pen
teiiiammm
morte & vida
no olhar da criança
leveza de
flor
des
pe
ta
la
certezas do caminho
ao vento
matizes de paisagens
oníricas…
Na praia o monge observa
sua obra
com um sorriso de canto
acolhe no peito
o que o tempo cobra
no inevitável golpe
do vento
em seu eterno galope
a areia fustiga a pedra
enquanto não escorre ao mar
todo pranto
No seu acalanto
dissolve imagens
congeladas no tempo:
o que foi na maré
não volta
mas a pergunta
nunca vem tarde
… e sempre volta.
*
AlvoreSer –
É preciso renascer todo dia é preciso…
tecer o horizonte
rever a fonte
remover o inciso
reescrever os montes
se banhar no riso
escavar o lodo
como louco acreditar na flor
nos cabelos
no vento uivando
seu nome, sua dor…
e quando
calar a certeza
regar as raízes
desaguar a voz presa
e percorrer do dia novas matizes
na dança que pede de si
tudo o que um caminhar realiza
a sós a esmo rebuscar da palavra
a melodia prenha
de abraços a se desenharem no espaço
e abraçar ao outro em si e a si no outro
tatear
no infinito
desnudo de um corpo
que são muitos corpos a se encontrarem
na voragem de veias pulsantes
a desenharem com o próprio sangue
caminhos para renascer em outros portos