Poemas de Valdir César Conejo Júnior
Valdir César Conejo Júnior mora em São José do Rio Preto – SP. Cursou ciências sociais, mas nunca deu aulas, prefere o outro lado da sala. É desenhista, poeta e participa da ChamaLitera: oficina de criação literária. Possui poemas públicados no “livro da tribo”, “revista mallarmargens”, “revista subversa: literatura luso-brasileira”, no livro “Oito Poetas, sete rupturas” pela editora Patuá e outras antologias.
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Poemas dominicais
Cronos
Diz uma profecia grega
que um dos filhos do tempo destronaria o pai
É por isso que ele devora seus filhos.
A cada domingo eu me olho no espelho
e noto novas marcas na pele,
Como se eu estivesse sendo mastigado aos poucos,
Como se o domingo fosse a boca do tempo.
*
O fígado de Prometeu
Quando eu era pequeno roubei uma lanterna
pra entrar na venda e roubar doces à noite.
Uma noite o dono da venda me jogou uma praga:
– você vai ter diabetes, moleque!
Décadas se passaram e hoje eu passo a semana
sofrendo, como se tivesse
o fígado dilacerado por pássaros.
No sábado eu penso que vou morrer,
Mas, como se fosse um milagre ou uma maldição,
No domingo o meu fígado se regenera.
*
Caixa de Pandora
I
Quando Deus criou o homem, colocou uma caixa
de frustrações em seu torax
e disse que jamais deveria ser aberta
Mas, assim como nas palavras de Hesíodo a curiosidade
fez com que Pandora abrisse o presente de Zeus,
Você abriu meu peito e acabou
espalhando tristezas pelos dias da semana.
Quando você se foi
e eu consegui costurar minha caixa toráxica, num
domingo, sobrou nela apenas a esperança.
II
Tentaram me convencer de que Deus fez o domingo
pra que tivessemos esperança em dias melhores,
Mas meu palpite é
que Deus tenha medo de ficar só
A esperança, implantada no fundo da nossa
caixa toráxica, impede o suicídio em massa
e qualquer companhia
deve aliviar a solidão de ser eterno.
*
Medusa
Basta levantar da cama
e encarar o dia pra que as horas não passem,
como se a vida petrificasse
É por isso que faço drinks
de Natu Nobilis com clonazepam
e desmaio nas noites de sábado.
Pra passar pelo domingo
eu evito abrir os olhos.
*
Separação
O Grande Zeus rugiu: Deixem que vivam. Tenho um plano para deixá-los mais humildes e diminuir seu orgulho. Vou cortá-los ao meio
Platão
Você, de novo, com o celular na mão
Eu, de novo, com o celular na mão
Ao mesmo tempo, talvez, apagamos nossos números
Nenhuma mensagem uniria duas metades
que não se encaixam
e a cada domingo essas metades se multiplicam.
(se fossemos metades perfeitas talvez
ofenderíamos algum Deus)
Agradeçamos, querida,
Poderíamos passar a vida toda forçando
uma metade que não nos encaixa
Descobrimos a verdade a tempo
de libertarmos um ao outro.
*
Ilíada de aluguel
Vivo em um prédio de paredes finas
e meus ouvidos são dois calcanhares de Aquiles.
Pra ajudar o domingo acertou uma flecha em meus tímpanos
ao apresentar os novos vizinhos no elevador:
– Oba?
– Oba, bom?
– Bom… Vai descer no segundo também?
– Vou.
– Olha lá, minha nega, é nosso vizinho!
– Nossa, Heitor, será que ele não ajuda com a mudança? (ela sussurrou)
– Olha, eu vou sair em meia hora e…
– Opa, mas em meia hora dá pra subir os sofás!
Só espera aí que a gente vai ligar o Bruno e Marrone
e já desce!
(E, desde então, sete dias intermináveis se passaram!
Meu terapeuta diz que é preciso transpor muros,
Mas como é possível se eu desejo segurar
meu vizinho pelos chifres e arrastá-lo pelo chão?
Não tenho um pingo de simpatia,
Quando acordo aos domingos e ouço
seu guarda eu não sou vagabundo eu não sou
delinquente eu sou um cara carente eu dormi na praça…
Ah, eu sinto que sou a mais pura ira,
ilhada nessa Ilíada de aluguel.)
*
Penélope
Não esperem muito de mim,
No sudário do meu futuro sempre falta
um pedaço
E toda segunda-feira aparece
um remendo novo no meu passado.
As expectativas, tecidas durante o domingo,
Parece que são desfeitas à noite.
*
Live and let die
Que outra coisa poderão ver, pois que, desde o nascimento, foram compelidos a conservar a cabeça permanentemente imóvel?
Platão
Se arrependimento matasse
Se eu soubesse que eles me acorrentariam,
Com os olhos fixos no calendário,
Quando voltei avisando que o Domingo
não passava de uma ilusão
pendurada na parede,
Eu teria deixado eles aqui pra morrer.
*
O segundo da Flor
E assim corre, ao lado da necessidade estética da beleza, a exigência do ‘Conhece-te a ti mesmo’ e ‘Nada em demasia’
Nietzsche
Até hoje tem gente dizendo que foi abuso do fígado,
Mas eu sei que foi um domingo de carnaval que matou
aquele vadio, o primeiro marido da minha Flor.
Todos os anos alguém me pergunta:
– você não vai brincar o carnaval?
(não sabe que, talvez, seja por isso que ainda vivo.)
Evito festa de quem sai do corpo
em busca de beleza como se não houvesse amanhã.
Pois quando chega o amanhã,
Com as dores na cabeça, no sexo e na alma,
Não se lembra do que aconteceu.
Por isso eu passo os carnavais em casa
Não é que eu não goste do som
(modéstia à parte, há até quem me chame de Deus música)
Tiro um samba do Chico no fagote, faço música até batendo
talheres nos cristais quando tomo uma cerveja
(socialmente, é claro.)
O segredo da minha sobrevivência
está na moderação.
*
Lamento de um girassol (para Priscila)
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita
Alberto Caeiro
Eu sigo seu brilho como se emanasse
do colo da Fênix, como se fosse o próprio Apolo,
a luz no fim do domingo,
mais Cervantes do que eu sou Quixote,
mais Machado do que eu sou Bentinho.
E invejo a gata que acompanha
seus passos por todos os cantos da casa.
Ela parece uma divindade egípsia
predestinada a passar sete vidas ao lado do Sol,
enquanto eu lamento ter uma vida só.