Poesia para pandemia – Por Paulo Sabino
Poesia para pandemia (Editora Autografia, 2020) é uma antologia organizada por Paulo Sabino que reúne 142 nomes da poesia nacional e inclui 16 textos inéditos, de escritoras e escritores do calibre de Alberto Pucheu, Alexandra Maia, Edimilson de Almeida Pereira, Inês Campos, Lau Siqueira e Claudia Roquette-Pinto e Elisa Lucinda.
A obra busca a diversidade ao investir em vozes e estilos distintos, assim como é um espelho para as nossas aflições e questionamentos.
Paulo Sabino nasceu no Rio de Janeiro, onde mora. Idealizador e produtor dos projetos Ocupação Poética, no teatro Cândido Mendes de Ipanema, e A Estante do Poeta, no Espaço Afluentes. Desse projeto, organizou a antologia A estante dos poetas (Ibis Libris, 2020). É coordenador e curador do selo de poesia Bem-Te-Li, por onde lançou seu livro, Um para dentro todo exterior (Autografia), em 2018, e outros sete autores.
Abaixo quatro poemas que integram a antologia Poesia para pandemia.
***
TUDO QUE TRAGO PARA HOJE
(poema inédito)
Tragam-me a cúrcuma, o alecrim e um livro de poemas
daqueles mais distantes de mim. Tragam-me as fotografias
que não tirei na Tuol Sleng, em Phnom Penh, no Camboja.
Tragam-me notícias dos que moram em Paro Taktsang,
no Butão. Há muitos tigres crescendo naquela caverna?
Como eles estão? Tragam-me os poetas cantadores
da Amazônia para me despertarem
e acalentarem a cada noite o meu sono
com tudo o que eles têm para nos contar. Tragam-me a calma
para subir o Monte Fuji como aquele caramujo
de Bashô e para visitar os templos de madeira, seus sinos e jardins de pedra.
Tragam-me o Kilimanjaro, o Himalaia, uma aldeia qualquer
no Tibete, em que eu consiga escutar histórias de vidas
inimagináveis em uma língua da qual eu não entenda nada.
Tragam-me o Xingu, os indígenas, seus modos de vida, a floresta,
rituais. Tragam-me as Aldeias de Xisto de Portugal, seus vales
e muitos rios do mundo inteiro para que eu possa tomar banho
neles, tragam-me uma paisagem do Alasca, ou mesmo
da Sibéria, tragam-me o céu do Atacama, um pedaço, ao menos,
da Cordilheira dos Andes, tragam-me uma estrada de terra ao pé
do Everest, o pico do Everest e a vastidão que se tem
do pico do Everest. Tragam-me a Grécia que não vi
senão nos poemas que vagarosamente li
e sobre os quais tanto escrevi. Em tudo que me trouxerem,
tragam-me o meu amor, porque sem ele nada adiantará.
Tragam-me – não deixem de trazer no bolso – um rinoceronte
da África de presente, aliás, tragam-me logo uma manada inteira
de rinocerontes, tragam-me hipopótamos e os elefantes
tailandeses que pressentiram os tsunamis, salvando algumas vidas.
Tragam-me, por favor, se puderem, – temos pressa –, muitos
elefantes da Tailândia para cá: a maioria de nós não anteviu
o horror anunciado que para nós viria nem se responsabiliza
agora pelo horror que vivemos. Tragam-me, por favor,
se não forem fazer falta nesses tempos por lá, ao menos,
um elefante da Tailândia para cada pessoa daqui, para viverem
o mais rápido possível entre nós, pressentindo os perigos
impostos a este país e levando seus habitantes
a cumes mais altos.
(Alberto Pucheu)
*
Um minuto de silêncio
Um minuto de silêncio, por favor
preciso ouvir lá dentro
o som do meu sentimento
sem o mundo exterior
apenas um minuto
entre o peso do passado
e o pesadelo do futuro.
Um minuto em que o tempo
despeça o tenebroso barqueiro
que desliza sobre o leito leitoso do rio
pescando almas em sua passagem
ao fundo e à margem
impassível e frio.
Por favor, um único minuto
para que eu possa penetrar
no silêncio absoluto
e fecundar o amor que sinto
neste exato momento
efêmero alimento
eterno labirinto.
(Claufe Rodrigues)
*
Entropia
Há uma teoria que afirma
toda iniciativa de pôr ordem
às coisas
o simples ato de impor
um pouco de ordem
à desordem
que toda manhã
impera
no quarto
provoca uma
nova desordem
apenas momentaneamente
imperceptível
sob os lençóis estendidos
sob os travesseiros lado a lado dispostos
sob os papéis recolhidos e empilhados
sob os móveis livres da poeira
sob a ausência dos copos d’água vazios
e borra de café no fundo das xícaras
Sob as roupas recolhidas dobradas ou postas para lavar
sob tudo isso segue a desestabilização da ordem
talvez num canto (da sua perspectiva) mais remoto do planeta
ele seja a mínima, a nano-ínfima gota que falta
para o terremoto que arrasa o Nepal
para o tsunami que arrasa a costa da Indonésia
para o desaparecimento do avião sobre o Oceano Índico
para o avanço irresistível da mais avançada e mais tenebrosa
[fase do capital
para o sequestro da criança
para o estupro da menina pelos colegas de escola
para a eleição do mais abjeto Congresso Nacional
e mesmo para os seus próprios pensamentos
sujos e inconfessáveis.
Talvez se pague um preço surreal por esse quarto arrumado
em que você se senta esperando escrever
quem sabe algo que você possa
da sua perspectiva
chamar de poema
(Simone Brantes)
*
Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
— Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais! —
Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!
Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão…
E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!
(Augusto dos Anjos)
oswaldo oleare
Bom domingo!
cONSULTA: POSSO REPRODUZIR NO http://WWW.DONOLEARI.COM.BR = PORTAL DON OLEARI?
sE AFIRMATIVO, GOSTARIA QUE FIZESSEM UMA AUTORIZAÇÃO EXPRESSA.
bRIGADUUUUUU
aBRAÇÃO DO dON oLEARI.