Poetizar o ordinário com Khaled BenSalah, por Mohamed Walid Grine
Khaled BenSalah é um poeta argelino nacido em 1979. Conheci-o na feria internacional do livro de Argel, há dois anos, durante uma sessão de autógrafos do livro dele “يوميات رجل أفريقي يرتدي قميصا مزهرا ويدخن L&M في زمن الثورة” (“Diario de um homem africano vestido com uma camisa floral e que fuma cigarros L&M na época da revolução ”, publicado em 2019). Nasceu na cidade argelina de Boussaada, onde viveu e trabalhou Nasreddine Dinet, um grande pintor argelino de origem francesa. Khaled vive e trabalha sempre em Boussaada, onde ele cresceu e compôs os primeiros poemas dele. Escreve em árabe poesia em versos e prosa. A poesia dele se destaca por alternar o pessimismo com o optimismo, o humor negro com a ironía, a melancolía com a alegria. Considero Khaled como um dos mais destacados poetas argelinos contemporâneos. Alguns dos poemas deles foram traduzidos em italiano e em grego (e publicados em dois livros). Até agora, tem 5 poemarios publicados em Argélia, em Italia e no Canada. Nesta coluna lhes apresento dois poemas em prosa escritos por Khaled BenSalah. O primeiro poema aparece no poemario “الرقص بأطراف مستعارة” (“Dançando com membros emprestados”, editora Almutawassit, 2016, Italia). E o segundo aparece no poemario “120 مترا عن البيت” “120 metros da casa”, editora El Ikhtilef, 2012, Argélia)
- Erro comum
A mulher sentada ao teu lado no autocarro te pergunta, mentras estás a ler o “Patagonia-Express” de Sepúlveda, onde os bancos balançam os passageiros: “por que é que você escreve?”. Pensas num banquete completo de tragédias, na tua cidade queimada, como se alguém a tivesse queimado, há cento anos. Pensas no mundo como um error comum, na capacidade a desaparecer, de repente, entre os caixões. E a tua frasa que sai como uma mariposa bêbeda: “escrevo por tédio, e claro, “estou do lado do ordinário, das coisas que tardam em se tornarem ordinárias, por razões triviais”.
Titulo original: khataa chaii خطأ شائع
- Obra de construção
Os proletarios desde as primeiras horas da manhã nas obras de construção erguem as paredes depois de ter cavado, abrem as janelas para que o sol entre sem permissão
Cuspem a fadiga deles em dormitorios onde nós vamos fazer amor nos ángulos, onde vamos gritar, roncar e chorar.
Fumam em todas partes, excepto no banheiro, há uma inviolabilidade eterna que acompanha esse lugar.
atiram insultos desde as varandas vazias e se mandam piadas sem graça em plena luz do dia.
Escondem as historias tristes deles em poros de cimento antes que ele seque.
Eles contemplam as rachaduras das mãos deles, ásperas, quando a água os toca.
Eles têm pena, depois de estar calcinados, dos habitantes dessas caixas de fósforos
ou
dos habitantes das latas de sardinha e nós que nos tornamos em sardinhas dentro das latas.
Titulo original: warchat binaa ورشة بناء
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Em “Palavras em Movimento”, fala-se de poesia escrita na África do Norte (precisamente em Argélia) e no Médio Oriente e transportá-la para os-as leitores-leitoras Brasileiros-Brasileiras. Esta poesia pode ser diretamente escrita e pensada em português ou traduzida do árabe/francês. “Palavras em movimento” pretende ser, de um lado, um espaço de diálogo entre as poesias árabes/berberes e as poesías brasileiras/africanas lusófonas, e do outro, um espaço de reflexão sobre as diversas formas delas, através da tradução, destacando os pontos de convergência. Porque o ato de traduzir é também um processo de movimiento e de diálogo.
Mohamed walid Grine, contista, poeta e tradutor argelino. nascido em Argel, em 1985. Graduado em tradução (Universidade de Argel). Atualmente moro e trabalho em Argel como professor associado de tradução árabe-francês-árabe no Instituto de Tradução (Universidade de Argel).