Ponto riscado: o infinito colonial em quatro dobraduras – Vinícus da Silva
No laboratório do tempo, coluna assinada por Vinícius da Silva, as coisas não são o que realmente são (ou que pensamos ser); os sonhos deixam de ser sonhos e passam a ser partes da vida. Nesta coluna, quinzenalmente, Vinícius escreverá a partir da interface entre artes visuais, filosofia e literatura, buscando realizar isto que o escritor chama de “experimentos” (ora textos ensaísticos, ora poemas longos) sobre tempo, esquecimento, futuro, e outros experimentos possíveis para o laboratório do tempo. Nesses encontros, Vinícius mais suscitará questões do que tentará respondê-las, pois é dessa forma que o pensamento atinge o seu nível ótimo de curiosidade para conhecer e acessar as coisas. No entanto, o laboratório do tempo nos desafia a esquecer de tudo, menos de quem somos ou de nossos simulacros; você aceita o desafio?
Vinícius da Silva é artista, tradutor e pesquisador independente. Atualmente, cursa graduação em Artes Plásticas na UFRJ e se dedica ao estudo do pensamento de bell hooks e pensamento (e estética) negro radical e travesti. Apresenta o Podcast Outro Amanhã, assina uma coluna quinzenal da Revista Ruído Manifesto e é autor do livro “Fragmentos do porvir”, publicado pela Editora Ape’Ku, em 2021.
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Ponto riscado: o infinito colonial em quatro dobraduras
2016: A partir deste lugar, onde a quebra me faz viver, eu tenho a lhes dizer: com frequência, não é fácil dizer isso porque eu tive um sonho e nós estamos nos afogando em mar aberto. A água sempre toma de volta o que é seu. Profundo emaranhamento. Nossa existência, no entanto, como o oceano que nos carrega, é sempre definida pelo excesso, mesmo que estejamos em zonas de não-ser. A partir disso, tenho tentado encontrar o espírito que faz com que eu queira fazer o que é preciso que se faça. Nós estamos gritando por justiça, liberdade, mas não há conciliação possível. Talvez estejamos cientes dos nossos limites enquanto humanos, enquanto espécie. E é preciso que estejamos, para que possamos abandonar a humanidade. A partir deste lugar, onde a quebra não me deixa morrer (dos nossos modos tradicionais), eu tenho algo, eu preciso lhes dizer algo.
2012: A partir deste lugar, onde os mortos buscam defesa, eu os vejo e sinto seus clamores. Em meio à fumaça, quando tentamos ver algo ou sentir alguma presença, eu sinto como se a dança destas profecias pudessem construir o futuro em que queremos e possamos viver, para além do mundo. Queime o papel, escreva na própria pele, corte-se para sentir dor. Nós sabemos que o que resta é somente o pó do que já não existe mais. Estamos vivos? Ou apenas lendo, de forma inconsciente, o texto moderno, o texto do mundo como o conhecemos?
2021: Eu acendo um cigarro e tento me lembrar com o que parece a respiração. O que resta? O que significa defender os mortos? Eu sei, e eu os vi, que temos vivido no rescaldo deste navio sem destino, suspenso no espaço e no tempo. Não há nada aqui, não há separação entre nós e eles. O espírito nos chama. Eles nos chamam e não encontram respostas. Eu sei que eles estão vindo. E nós sabemos como preparar nossos corpos para a guerra que se aproxima.
1492: Não me lembro muito bem de meu próprio nascimento. Nasci como quem cria a si mesma do nada. Nasci como um elemento antes opaco que agora permanecerá à luz deste mundo. No entanto, não pedi para estar na luz, mas sempre existi, de modo que nascer não me trouxe à existência. Trouxeram-me a este lugar por meio de um sequestro. Não há fotos do acontecimento, não há imagens testemunhas, apenas mentiras que nos contam para que acreditemos que nascemos para brilhar. A merda, a flor, a sagrada e o insondável, tornaram-se uma só coisa quando retornei à opacidade a fim de apagar a luz que jogaram em mim. Pedi para que me deixassem na escuridão, assim eu ouviria o clamor de meus mortos. Hoje, já não me resta mais nada, apenas uma vontade imensa de ser maior que o mundo, porque essa não é mais a minha casa.