Procurando um quartinho num chão de concreto ─ Luan Michetti
Luan tem 24 anos, nasceu e reside em Ribeirão Preto no interior de São Paulo. Publicou, em 2022, seu primeiro livro Lidocaína Sabor Laranja pela editora Urutau. Publica agora A Morte Conforme Conta a Corrente, seu primeiro romance, com editora Mondru.
Sua obra tem como núcleo-duro o seu projeto de linguagem díspar. Não voltado à ideia estratificante de ‘oralidade’, mas sim à adoção irrestrita das variantes morfossintáticas afro-brasileiras em uso, mesmo em língua escrita. Sua prosa e poética se sustentam em oposição à fagocitose das novas vozes periféricas pela norma-culta.
GENERAL COUNSEL OF THE DEPARTMENT OF DEFENSE, WASHINGTON D.C. 20301, September 20, 1997
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- Current Programs
There are no programs currently maintained by any Department of Defense component or Contractor involving drug testing on human subjects in which the Central Intelligence Agency is in any way involved.
All current Department of Defense programs involving the use of investigational drugs on humans, including its contractor programs, have been approved by the Food and Drug Administration.
a paranoia do dia, esses dias, era a de que o decano que tava liberando pra nós toda aquela alegria condensada era um infiltrado da CIA, tô te falando, o cara tava dropando lozenges de graça pra todo mundo que tivesse língua, e nós, imperturbado bando, nós, atravessando planos, churrascos em plena segunda-feira, uma feiura, aceitando sim, obrigado, paranoia essa que, apesar de pesarmos e vermos que não compensava em possibilidade ─ que o sujeito fosse, de fato, imperatus do imperialismo: e daí? ─ o que os quadrados valiam em grana guardada por nós já cobria o que fosse que fizessem com os nossos miolos lassos, mesmo assim, sob essa rationale, a dita paranoia não passava de jeito nenhum, nenhum mesmo, enquanto, por qualquer outra coisa, qualquer coisa, realmente, a gente caía no sufoco das gargalhadas, na armadilha delas, e o retroalimentante de gargalhar das proprias gargalhas enquanto coisa própria da graça, pra dentro disso, a paranoia era de que a maioria de nós, sendo centro-esquerda ou esquerda de verdade, ou quase, coisa de lideranças de partidos, távamos lá prontos pra uma rasteira qualquer, que a coisa em si fosse uma rasteira sinistra, mas, como dito, rasteira maior seria gastarmos bolsas, salários, verbas e dinheiro de comida no negativo político duma oportunidade dessas, que aceitamos sim, obrigado
a paranoia sendo, na real, te falar, que lá tava aquele otário jogando quadrado quadrado-mesmo fora, testes e tudo, coisa fina, final-de-festa, e eu trazendo vítimas, eu dando a ideia de ‘porra, vem cá, tô na casa do fulano, se o cara que tá financiando tá mesmo sendo financiado pelos agentes ─ se for ─ que é que tem? essa é uma chance única ─ se for ─ de desvelar alguma coisa sinistra sobre o mundo, vai ser nosso ambulatorial de anistias’, e eu ao mesmo tempo estado-natural e rato entre paredes de acrílico, acreditando e desacreditado, desejoso e aturdido, sentindo o azedo que eu não sabia se era pra ser azedo ou não, não sentindo nada mais, mas no arrepiado da mandíbula quase que a língua ia azedando minhas próprias papilas de dentro pra fora ─ as laterais da língua pensando em se distender como asas boca adentro ─, a paranoia era de que esse cara, que era decano de república, naquela coisa horrível de fazer a galera nos servir, só tava liberando os lozenges na intenção de derreter as cabecinhas privilegiosas e revolucionárias de todos aqueles que sequer pensaram uma vez, ou duas, na vida, ou três, em serem anti-capitalistas ─ nós ─, tendo a paranoia, enquanto de-veras-vendo víamos nossas cacholinhas, e caholinhas muitas outras que trouxemos pra desposar desse dote dado, se derramando no efeito prolongado e sem critério dos ditos lozenges que ali até dentro jujubas, pra fazer uma graça, até dentro do galão de 20L de água, sendo pra nós o único algibe não gaseificado, em brigadeiros que também eram edibles e que em conjunção nos derretiam, de openbar tudo isso, ainda tanques de artesanais, levas amargas, tons inclusivos, sabores jamais maltados por nossas línguas, a paranoia sendo ─ e se metastasiando em todo o sem fim de ondas que tivemos, germinando espiraladas ─ que talvez tudo aquilo tinha sido muito bem armado pelo braço secreto das forças armadas em conjunto com o titio deles lá no Estates e que nosso potencial revolucionário tava sendo drenado enquanto dropávamos, isso de bom-grado, o que talvez configurasse até mesmo mais um solapamento ideológico, na asfixia indocumentável pros pareceres posteriores à guerra ─ bagulho mais hilariante que o óxido nitroso jamais será, mais lacrimogênio que quando tínhamos ainda a coragem de peitar o choque, enquanto rolê que se dava ─ a qual padecíamos de graça à graça dos gradeados dos dentes à mostra, tensas as bochechas, risadas arrancadas a fórceps, e a paranoia sendo, no fim das contas, acamado o medo de que os federais nos pegariam tortos no chão enquanto aclamávamos ironicamente suas operações, satire, satire, acabada a megalomania de nos acharmos o centro do caimento das coisas, do badalar do universo simbólico, do que quer que seja que o povo queira fazer de toda essa miséria qualquer hora que der deles e de nós querermos alguma coisa e um querer avisar o outro, tudo desposado no tranquilo abandono dessas horas: nem opressores nem orpimidos nos vieram protelar proteção ou piorar nossas piras, playlist nenhuma foi interrompida pelo impromptu de nos vermos pela visão dum águia a nos cercar as saídas, nada senão a proteção mediaclassista do cara nos quadriculando a visão de vinhas e a verdadeira paranoia sendo, tendo sido o tempo todo, talvez ─ e foi essa a nossa epifania de viagem ─, acharmos que éramos importantes o suficiente pra isso, ou qualquer outra coisa, influentes o suficiente pra merecermos essa sabotagem caríssima de aditivos, que, por sermos ativos politicamente, éramos, também: necessários, indispensáveis, e a paranoia sendo que, nas marés baixas das ondas ─ com mais baixas ainda as nossas bocas do estômago, e aquela pressão fodida nas laterais da mandíbula que sobe pra mente ainda como aparição fantasma todas as vezes que eu penso em lisergiar ou ligeiramente lembro desses dias em que eu tanto lisergiava, que fez alguém, na época, as mandíbulas, que não sei quem, comprar pra nós uma caixa inteira, no atacado, papelão e tudo, imagético que não passou desapercebido, de chicletes ─ perceberíamos, enfim, percebemos, hora-ou-outra, que não, não éramos, não fomos, não fizemos falta, não desfalcamos revolução nenhuma, falange alguma padeceu em retaguarda, plano nenhum foi espoliado quando falamos pra caralho coisas desconexas e íntimas, não nos deram por perdidos em assinaturas de atas, chapa nenhum perdeu pela abstinência dos nossos votos, o twitter não foi mais nem menos doença mental só porque não tínhamos mais condição nenhuma de desbloquear nossas telas com a assiduidade de antes, o Brasil o mesmo breque, o BRICS a mesma estrutura hipotética, ninguém nos precisou ‘nesse nosso tempo’ durante o tempo todo que passamos nessa temporalidade melaceira e distendida, em que passamos, alterados, no alto das mais indultadas indagações, como, por exemplo, uma delas, perguntar pro decano se ele ia mesmo aposentar por crimes de guerra, e ele falar que sim, cara-lavada, sim, e a paranoia ser, agora, enfim, que ele não era era coisa nenhuma, ninguém ali era, e que, pro total desespero dos próprios selos, personificados, personagens das nossas novas fantasias, ninguém ali merecia toda aquela euforia, nem meia, nem um quarto dela, ou microdosada
a paranoia, numa sessão dessas, na confluência de muitas outras ideias nenhumas, nessa coisa vazia e vexatória de conversar brisando, na casona que esse cara morava, por termos pego pra tomar toda a filastelia dele guardada, com o cara mesmo ─ ele mesmo já fora da linguagem gerativamente humanizada, conversando por cotoveladas, só abrindo o estojinho de prata ─ aprovando e oferecendo, era a de que, agora, algum momento que ‘agora’, concomitante com as outras horas, era de que tudo tava muito demais e mesmo que não houvesse veneno nenhum em nada que molhássemos em nossas mucosas morreríamos ali mesmo por puro exagero, ou que, pior, íamos ficar pra sempre doidos-de-fita, velozes demais pra desbicar da órbita, gritados e chutados das sargetas da vida, e nunca mais alcançáveis por razão nenhuma que despontasse ao contra dos nossos delírios indisputos, pra sempre pra fora do sócio-biopoliticamente assegurado como Normal® e que, eis a paranoia, nossa departura da Normalidade™ tinha como pano de fundo, e intencionalidade, aniquilar a juventa do mundo, que ─ se supõe ─ potência, o grandevo das nossas identidades, que ─ somos obrigados a dizer ─ contextos sensíveis, e parte da noia ser querermos mesmo perder âncora pro sólido-encontro do Natural Inquestionável© de objetos que não se engravidam do aniquilamento deles mesmos quando descançamos olhar sobre suas superfícies, na baía rasa da loucura embainhada, sendo que essa paranoia foi pega justamente por serem 0800 e ditos-de-procedência os lozengues e tudo o mais que ainda não dito e que tomávamos ─ e o que se diz quando diz ‘de graça até injeção na testa’ diz sobre isso, sem dizer, ainda ─, sem freios, sem pruridos de propriedade-privada, como se serestássemos à imagem órfica e cabriolada da nossa composição enquanto carne-viva ─ era o que dizia um dos mais ao centro ─, que morreríamos num extase epistemológico ─ isso os mais torre-de-marfim ─, ele dando por dar, o decano, por meio de mim, que tava nas graças dele por isso-e-aquilo, que tava lá sendo roofiezado por ele com drogas que não derrubam, distribuindo, coletivizando os espóleos do tráfico internacional, ele esperando a hora que as metaconversas sobre chem-sex e orgias se despissem de emulações e saias-rodadas ─ que a família dele tem sobrenome é o tipo de coisa que fica até sem-graça dizer, um abuso da hospitalidade; ao contrário de esvaziar o estoque duma grana que ele nunca precisou ter na vida, coisa até quase generosa da nossa parte ─, eu só dizia ‘aquele otário tá dando droga de graça lá, bora’, lógico que as coisas tinham que, lógico que ‘bora’, só que a paranoia que a gente pegou tinha a dizer sobre o fato de que nunca antes na vida de muita gente que tava ali, fritando, qualquer coisa dessa jamais tinha sido vista, nunca tamanha riqueza e impunidade, e a desigualdade social sendo escancarada escalpo adentro em revelações sensíveis ─ outra noção propagada por centristas ─ e arrepios, constatações jamais exploradas por amigos meus nenhuns ─ que até então se tinham por extremados, iveterados e irreversíveis noias ─, noção que reincindia a positividade moral do que fizemos, e de certa forma, como sempre, as reparações se arranjaram de maneiras díspares às previstas pelos sociólogos e quem legisla as leis, os legislantes, os legalizantes, os legislalistas, legelianos, legelitistas, lelilalia, regislatistas, lógico que as coisas, cogumelos crescendo em pitchulinhas e vasilhas vazias de maisena, peyote sendo filhote no jardim entre suculentas, pitayas, rosas-do-deserto, eufórbias e cactos-de-areia, lógico que, e tomados também por todo mundo que tava lá, cada qual o que conhecia, ao desvelar das próprias ignorâncias, no ousar da própria coragem, patéticos o suficiente até pra recitar Howl, a paranoia comendo a noia gerativamente ouroborada do fato de que a gente tava mesmo fora dos caminhos do materialismo fisiocrático do real, fora do tempo linear e portanto portent porém impenetráveis ao conceito quase que diletante de dialética, semanas seguidas, fora de fisiologias humanamente saudáveis, dias a fio supridos por essa gratuidade porque, isso ele quem contou, dizia, a confirmar, ele disse que ‘um esquema de deepweb’ que ele ‘participava’ tinha ‘caído’ e era ‘melhor’ ele ‘despistar essa mercadoria’, porque ‘se pegassem mesmo pra investigar’ eles ‘mais cedo ou mais tarde’ iam ‘encontrar um endereço’ e se ele não tivesse ‘nada até lá’ ia ser mais fácil pros ‘advogados’ que ele contratou, ou que o ‘coroné’, sobriquet que ele lançava sobre seu pai ─ o decano mesmo já nos seus trinta-e-tantos ─, ou algo assim, uma justificativa até que óbvia tendo em conta que eu sabia mesmo que ele vendia, uma alternativa mais sóbria às outras análises de conjuntura, isso contra a paranoia de ainda acharmos, num lugar inacessível a rebotes, ser tudo isso psyops, e que nada apaziguava, de que nos pegaram na ratoeira, lembrando e esquecendo que enquanto peixes nesse imenso lago, pátria armada, éramos crustáceos, e que enquanto vítimas de mais um laboratorial ludibrioso e esquecido não seríamos das amostragens a mais fiel ou controlada, isso tudo, tudo, da paranoia, como consequência de não sabermos mais se era efeito das drogas estarmos dissociativos e conspiracionais ou se já távamos assim o tempo todo e o primeiro-tempo-químico, que já passado, que já há anos de noias pra trás de nós, tinha sido justamente esquecermos de manter o nível básico e de-sobrevivência de pira e de desconfiômetro que era e é não cantarmos nunca nossas linhas diagonais antes da certeza do bingo, a gente desconfiava mesmo que ele era um agente, e quando vimos, quando demos em nós mesmos, távamos na Tiradentes no show se pá do Black Alien, as espirais dos arremates barrocos se abrindo como olhos-de-bunda pra nossa visagem completamente alheiada, emagreci três quilos só em reverência à semovência das comidas, desligados de nós mesmos no tempo reticente dos transportes públicos pra nos vermos vivos de novo quando num outro rolê e os flashes nos mandavam em morse mensagens que desativavam nossa dormência enquanto agentes da Mãe Vermelha, rastelamos muitos chãos na busca dos quartinhos que cortamos dos lozengues que pegamos do decano, já de saco-cheio dessa achação de coisas, já cansados pra caralho do veiudinho dele pra esquerda do moletom na esperança úmida de qualquer coisa que nunca nem sequer quisemos, já em outros rolês, e os tremores nas nossas mãos não nos deixaram aproveitar em paz e avareza cada pedacinho de pergaminho que trouxemos, mapa que não se junta, mas se separa, quando conseguimos fugir ─ se foi fuga termos isolado o cara na porrada ─ das garras putativas do governo norteamericano
a paranoia sendo de vez mais substanciada e justificada em fatos presentes conforme a casa dele foi enchendo de playba ─ só os tênis limpos e calças caquis ─ que falava que conhecia-e-era-conhecido-do cara, lógico, também, e ele sem a capacidade de negar ou confirmar, como talmbém não negava ou confirmava que nos conhecia, muitas das vezes, outra turma que a nossa, galerinha tech, galerinha direita, crypto-de-origens, pré-.eth, aos quais o tal do Hytalo Henrique, o dos doces, o da casa, o dos cogus e das plantas exóticas e do pax com cheiro de incenso, a paranoia ia mais ou menos nas linhas de que esse Hytalo, o decano, o afim-de-mim, o aberto-a e instigador-de uma menagerie de convidados na esperança dum menage, o do comércio na deepweb, tava tentando comprar a gente enquanto comunas ─ enquanto, isso pro senso comum, ou talvez nem tanto, estudiosos da planificação e infraestrutura das coisas, coisa que os libertários nunca tiveram leitura pra ser ─ pra fazer parte do harém-em-ilha que ele e o resto dos hackers ali, cercando nós, queriam montar, caindo em cima das nossas explicações sobre a história econômica e política de Cuba, recalcitrando antigos anátemas, citaldo Malthus enquanto pediam pizza no app, me explicando entremeio me perguntavam o que era shoegaze que a natureza humana é a liberdade ─ não me deixei fisgar por essa minhoca, embora deliciosíssima ─ e que, embora não soubessem separar algodão de sintéticos ou brancas de coloridas, a grandiloquência dos números sustentaria esse Maralto por todas as possíveis adversidades que com graça numerei inúmeras, tentando nos convencer que embora problemas pra lembrar a senha do plátinum internacional o alimento seria pago pela troca de valores inerente a um grupo independente de livre-pensadores trabalhando pra empresa de inovação ─ que nesse contexto, pude apontar, seria uma estatal de lucros ─ que o Hytalo-mesmo já desenvolvia em web3 com o nome da república que de fato ocupávamos enquanto ideia indultada duma continuidade improvável, coisa duma impossibilidade e sonho-de-criança, Cryptoland avant-la-lettre, juro, quase que prevendo, quase como se esse tipo de projeto seja inevitável no alto das pirações das mais idiotificantes das drogas, esse Hytalo de boca absolutamente caída pra quando ainda nessa onda eu discursava com referências, pois muito bobinho nessa época, e dado ao palestrinha, sobre a inviabilidade da cidade-estado enquanto terra-sem-lei nas ideias sacaninhas que essa taradaiada queria passar como políitica, ponderamentos aos quais o Hylato ─ e em sua defesa o fato de que nunca argumentou contra nosso acesso ao seu acervo químico, quando, ou melhor ‘sempre que’ discordamos dos seus malajambrados ─ galopava em exemplos dúbios, ou quando não verbal, no molenga do key, nos cotovelava, me apresentando ─ isso quando lembrava de apresentar as pessoas que apareciam lá ─ como se fosse eu seu braço direito nos negócios de nos desviarmos da ilegalidade farmacêutica do que fazíamos ao instaurarmos uma coloninha numa ilha qualquer ─ ao que eu, um passo atrás do seu campo de visão, negava, me movendo não sutilmente no eixo Z ─, simultâneo potro silvestre e filósofo estrangeiro, eu, essas horas, nesse negro-solimões Gishes de justa em sons de cocos-ocos desencontrados, primeiro porque ele defendia aquela posição dialético-centrista de tudo-vai e de ‘ouvir todas as partes’, o que mesmo muitos amigos meus acharam válido, o que justificou outros a botarem terra nos bolsos quando já planejávamos abandonar o aboiz, ou quando sumiu o estojo de prata ─ lá nas casas dos quinhentos reais, é especulado ─, ou quando, não por parte nossa, sumiu a carteira dum dos boys, ao que fomos prontamente culpados, a paranoia sendo, ou na verdade a verdade, que a coisa tava pra ficar bem racista em três pulos se não pulássemos fora, ao que, insurpresamente, nos argumentava contra, embora olhando nos bolsos, o da carteira perdida, e o que era, basicamente, nos cansar pois chapados, e só porque eram as eras das debaterias sobre isso-iss’aquilo-outro, pré-bolsonaro também, e que, no desbandar da festinha: pancadaria, a carteira foi encontrada caída por entre pallets, as cartelas lacradas e com as quais continuariam a planejar a fuga-das-galinhas foi desaparecida, aí, por paranoia minha, eram outras ilegalidades que ele queria liberar na maresia das leis internacionais, paranoia minha, coisas que não um nem dois milionários usaram ilhas pra fazer, e cuja imoralidade impedia que ele vozeasse, cuja tenacidade ética que nos cobria de razão mesmo irrascíveis como távamos nos incumbiu de partir pra agressividade, foram vistos tonéis de cerveja vazios quarteirões dali, enquanto ele, já ligando pra polícia, pois despido de entorpecentes, isso eu só ouvi falarm ia defendendo por horas o consumo de drogas como se defendesse, sem relação nenhuma, criancinhas indefesas
mas a pior paranoia de todas foi a do que, pra seguranças gerais, vou redatar o nome, amigo do Hytalo, o Redatado, duma esquerda outra que a minha e da corte que eu trouxe pra casa do cara pra desfrutar de seus sais e cerveja, conhecemos esse Redatado por intermédio, amou minha defesa do bom-senso por não mais que apontar que todo mundo ali senão nós eram um bando de playba folgado que queria empregar otário pra ser arcanjo organizacional desse paraíso, aí Redatado foi me pegando pra Cristo, passando pra mim o febril da própria febre, não pra me dissuadir de outras paranoias que eu deveras tinha, mas pra somar às minhas as dele e às dele todas que se tinham, me contava que conversava com a CIA por meio das folhas de fichário que amassava-sem-rasgar ─ numa gestuária hiper-específica, quando contei, já negando, já assumindo brisa, sobre minhas suspeitas sobre o Hytalo ─ pra jogar no lixo na frente da sala do CA do curso dele porque desconfiava, e desconfiava forte, já ter visto, contando histórias com detalhes descritivos embora desencaixados, mexerem na caçamba-geral de lixo do campus em busca de algo ─ ao que respondi que devia ser o PCdoB, o que passou batido ─ e que de tanto ver isso ele acompanhou quem mexia e achou tudo muito estranho, tudo armado na pantomima, quando esse dito ‘catador’ não parou em outras lixeiras, quando esse catador de repente sumiu nas ruas em que ele passou buscando ele, como se ele mesmo fosse, coisas do tipo ─ quem vê estrelas pensa em linhas ─ e disse que tinha começado a fazer isso, também, pra tirar provas: mexer ele mesmo nas lixeiras pra conferir se havia quem da militânica que tivesse dando bobeira ou pagando de Trotsky ─ isso nas palavras dele ─, depois disso, diz, disse que viu um gringo com a mão direita cheia de chorume enquanto falava no telefone algo sobre o dia estar perfeito pra ver a previsão do tempo, o que ele tomou como um puta sinal pra códigos e secritudes, tipo, ele, nome Redatado, gastava um tempo das aulas escrevendo essas cartas de punho, letras redondas, confessando crimes não cometidos, despistando planos, inventando agendas, fingindo concordâncias secretas em atas passadas, contando vantagem de decisões que na realidade desastrosas, e no intervalo seguia a trilha de abelhas ─ porque elas amam bitucas de cigarro e fundinho de café em copos de plástico, observação naturalista que me contou com a gravidade de análise de conjuntura ─ até o latão mais próximo e não discretamente, entre piruetas e gestos obscenos, lançava a bolinha lá falando-alto ‘to whomever come who may’, porque o gringo que ele viu era americano ou inglês ou canadês ou nigeriano ou austaliano ou neozelandês e enquanto eu buscava saber se ele tava tomando das jujubas que nos tavam oferecendo ─ pra quem sabe convecer que parasse de as pegar ─ eles ─ da república que o decano era decano, e que nos serviam, não sei se esqueci desse detalhe ─ nos ofereceram mais jujubas, ao que ele negou, as jujubas, pois sóbrio, completamente, enquanto posição moral, enquanto defesa estruturada e analítica, e eu me perguntando então por que ser amigo do Hytalo se sóbrio, me perguntando na minha cabeça como é que pode Deus dar tanto pra uns e tão pouco pra outros, eu mastigando dois ursinhos ao mesmo tempo e sentindo nos planos laterais do meu crânio que ali aquela hora eu tava o mais irrascivo e raleado-das-ideias que era fisicamente possível pro meu corpo e nem assim, ao que eu ainda tive tempo de acrescentar que ou indiano ou irlandês ou sulafricano ou da América Central quase toda ou do mundo mesmo, até daqui, até eu, e o Hytalo, e uma pá de gente, porque jamais existiu um só comunista que delirou quando achou que tava sendo perseguido pela Inteligência, porque, também, nunca houve uma língua mais filhadaputa que essa e porque, mesmo que tenha delirado, mesmo que delirando muito e nisso muito-invejosamente sóbrio, ele tava, mesmo que não soubesse em si estar desenfreado nesse delírio, talvez a única desvantagem que a loucura real tem com relação à provocada e muitas vezes cara, mesmo assim, tava mesmo sendo perseguido, ‘to whomever come who may’, e a catástrofe autoprofética sendo a de que talvez ele tenha sido o primeiro de todos a revirar esses lixos que tinham sido revirados, me contaram depois, e o minimo que há a se fazer é se divertir com a situação, quando os primeiros socos foram trocados ele tomou o nosso lado, ele mesmo dizendo, ‘eles até podem me matar mas não vão ter matado a minha esportiva’, justo, ao que tentei acrescentar que, não tendo estado anteriormente no meu limite como me enganei ter estado, extrapolando todos os limites, espinhos nas mãos, fungos nos fundilhos, limiando a morte de mim mesmo enquanto coisa única nos sulcos dos meus saltos de saliva, o agente no chão levando na boca e o argentum no bolso do meu casaco, ‘to whomever come who may’, eu ainda despojei do poder de ainda dizer pra esse camarada, o Redatado, que era mesmo muito provável que Washington tivesse de olho no que tava rolando ali agora, e que virando o corredor, três portas à esquerda do banheiro, era o quarto do Hytalo, e que na falta de papeis, pois embolçados, havia huma série de pincéis atômicos com os quais ele pagava de Nash, pra que o redatado pagasse de Nash, e escrevesse nas paredes toda essa merda