Quando a memória se ativa – Uma crônica de Luiz Renato de Souza Pinto
Luiz Renato de Souza Pinto. Graduado em Letras-Literatura (UFMT), atua na docência desde 1998; Mestrado em História (UFMT) e o Doutorado em Letras (UNESP). Atualmente trabalha com Ensino Médio e Superior (Graduação e Pós-Graduação) no IFMT. Desenvolve oficinas de Escrita Criativa (em verso e prosa); Poesia e Filosofia; Letra e Imagem; Narrativas Curtas; Estruturas de Romance; Literatura e Outras Artes. Possui três romances publicados: Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Xibio (2018), Cardápio Poético (1993) e Gênero, Número, Graal (2017) livros de poemas. Autor também de Duplo Sentido (contos e crônicas), e mais dois no prelo (pequenas narrativas), a exemplo de A filha da Outra (2020), o mais recente. Reflete acerca da construção de personagens, enredos, espaços e tempos, mas, sobretudo, sobre a posição do foco narrativo, os olhares sobre as personagens e as coisas, o entorno.
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Quando a memória se ativa
Há sempre um gatilho prestes a disparar imagens que transformamos em textos. Como o de uma aula de ciências no ensino fundamental na qual aprendi a memorizar o nome de alguns dos afluentes do rio Amazonas, algo distante da realidade de um estudante de doze ou treze anos do interior do Paraná. Javari, Juruá, Purus; Madeira, Tapajós, Xingu. Não me imaginava defrontar com o nome do Javari associado aos assassinatos de Bruno e Dom.
Nos últimos três anos visitei Manaus, Belém, Boa Vista, Santarém e Novo Progresso, cidades amazônicas com beleza exuberante e locais de disputas territoriais insanas em nome do capital. Mineração em terras indígenas, desmatamento acelerado, expansão da bovinocultura, dentre outros empreendimentos predatórios, caracterizam a ocupação do território.
No espaço urbano, o braço armado da intolerância segue a todo o vapor. Assisti à estreia do novo filme com a atriz Glória Pires, “A Suspeita”, em que interpreta uma comissária de polícia que investiga a capilaridade das milícias no comando do narcotráfico na cidade do Rio de Janeiro. Lúcia, a policial, sofre do Mal de Alzheimer e, ao passo em que a doença se manifesta cada vez mais agressiva, outra luta ocorre de maneira intestina e que o telespectador acompanha em silêncio.
Uma e outra questão sugerida traz a importância da memória para a sobrevivência de um coletivo, como também de cada um dos indivíduos que compõem a humanidade. O registro do passado, a apreensão de conhecimento e informações que tendem a desaparecer sobre a névoa desse mal, conformam um mosaico do qual não se sai impune nesta, ou em qualquer outra vida.
A simples memorização de uma informação não garante conhecimento, mas a curiosidade em torno faz a diferença. Sempre sonhei em fazer viagens para bem longe, desde criança. Nunca fiz a maioria delas, mas a vontade de viajar me levou a outros pontos. Conhecer cidades amazônicas, como também as grandes metrópoles de nosso país, tem sido uma realização pessoal, bem como na construção de um perfil de escritor e pesquisador. O curso da vida é bem mais sinuoso do que o de qualquer rio.
Toda a glória para o trabalho de Dom e Bruno. Que a memória, ausente no final da vida de Lúcia, não nos deixe esquecer da importância das coisas simples desta vida. Meu pai também padeceu desse mal. Não dá para esquecer o que a memória nos acusa peremptoriamente.