Quase crônicas eróticas – Por Isabella Ingra
Na coluna Todos os sentidos estão abertos para a poesia, Isabella Ingra aguça nossas línguas com sua seleção de poemas eróticos e inéditos. Poemas que prometem desobstruir os espaços entre poesia e paixão, entre crônicas e sonhos, entre ternura e brutalidade.
Isabella Ingra, nascida em Brasília (1993), é poeta, atriz e professora de literatura, mora atualmente em Macaé-RJ e escreve diariamente sobre os atravessamentos da vida. Se lança agora na poesia erótica e performática.
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bilhetinho geladeira
se você não pode deixar meu corpo louco, por mais que ele já seja, se você não pode me fazer urrar por horas e anos sem medo, não avance meus sinais, se recolha logo cedo.
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As mãos
suas mãos percorrendo meu corpo, foi nisso que pensei. suas mãos percorrendo meu corpo, foi ali que parei. quase pedia socorro, quase pedia socorro enquanto sentia. suas mãos percorrendo meu corpo, contando minhas tatuagens, escolhendo a sua favorita, lambendo a sua favorita, suas mãos percorrendo meu corpo que já ardia nesse ponto. me assustei, tive medo de pedir para sempre mais e guardei a sensação de toque por dias, a sensação de que ainda estava dentro de mim por dias. tantas vezes fui surpreendida pela lembrança da sensação no meio do dia e meu corpo tremia/treme de lembrar. uma terceira voz me perguntava: lembrar de quê? e eu respondia: lembrar você fazendo meu corpo de pista de corrida com a língua, com as mãos. lembrar você tocando com a leveza mais brutal o meio das minhas coxas. lembrar você apertando minha cintura contra a sua. lembrar ao olhar nua no espelho, o mesmo espelho que nos viu no escuro os nossos contornos, o seu contorno, lembrar no contar as marcas de ontem no meu pescoço. lembrar ao me tocar lembrando.
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Os olhos
Seu olhar decorando aquilo que nunca tocou. Seu olhar na saída me fez chegar molhada em casa. Seu olhar castanho sabia que me penetrava e eu fingia não saber o que seus olhos faziam, continuei blasê olhando pro chão, com medo de corresponder. Seu olhar devorando aquilo que nunca penetrou e meu medo de me entregar ao jogo de olhar ébrio e fixo, com medo de chegar no seu pescoço e grudar meu quadril no seu, sentir o quente dos nossos movimentos juntos, com medo da nossa maré subir tanto, subir tanto.
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bilhetinho de geladeira
preciso parar de brigar comigo por sua causa.
preciso parar de transar comigo por sua causa, mas não quero, ainda.
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além para você era bem ali
para além do prazer de descobrir: redescobrir.
para além do prazer de desejar: conhecer a realidade do desejo, tantas vezes mais torta que imaginei.
para além do prazer de produzir: penetrar em si o aquietamento.
para além do prazer do seu beijo: sua mordida, seu tapa, seus olhos mudando de cor quando me olha gozar.