Quatro poemas de Brisa Alkimin
Brisa escreve sobre o limbo do desejo e da melancolia. Narra o erotismo e o afeto, bem como a ausência destes elementos e sensações. Na performance, testa seus próprios limites numa linha tênue entre sentimento e existência. Natural de Belo Horizonte (MG), é também compositora, arte educadora e estudante de moda e figurino cênico. Partindo da decolonialidade, Brisa pesquisa a influência de corpos negros e latinos na história da indumentária do século XX.
***
Oração
Tortura é te ver todos os dias e não;
Somente nãos e minhas secretas confissões secretas,
Borbulham desejos e vontades.
Sinto falta da tua boca,
Tão macia
Tua língua,
Tão afiada e precisa
Falta do cheiro que é só teu.
Textura de aroma que mais ninguém tem igual
Me queima o peito
E remete a uma prece por querer inteiro, completo
Me arde o corpo, ferida esfolada
Desejo não correspondido feito seca de quarentena
Me abre a memória e acesso lençóis passados,
Minha profana oração mais secreta.
Sincronia de seiva quente escorrendo pela minha pele.
Sinto falta dos teus pés que parecem esculpidos em mármore negro.
Falta de como escreve novas linhas no meu corpo quando começa a dizer o que não consigo decifrar.
Lembro de lembrar
De como transbordo orgasmos na nota mais aguda.
Só me lembro,
Talvez espere,
Com certeza deseje,
Rezando a minha prece mais secreta,
Quente.
*
TEMPO
Tempo
Me gira violento
Tira o lugar.
Amadurece
Apodrece
Me ilumina e me escurece.
Me chacoalha pra arrancar o seco
Me bate, tenta domar o vento
Educa, quebra e regenera.
Me rasga, me ferve e me esfria
Me faz correr riscos, cantar alto.
Tempo que se exprime em dor e prazer.
Me valoriza e me humilha,
Faz com que eu entre em contradição.
Me desespera, me acalma
Senta pra me ver passar
Pesa.
Vomita em mim, me limpa
Suspira e grita:
“O tempo não é igual para todo mundo.”
*
Mujer
Mulher
Julgada incompleta mulher
O que lhe falta?
Seios, vagina, útero?
Ou
Afeto, cuidado, atenção?
Mulher infértil
Mais que infértil
Incapaz de produzir
Árvore sem frutos e sem semente.
Mulher, mulher de meio de prazer
Poço de porra, boca de veludo, boneca de descarte.
Mulher,
A vaca, a piranha, a solícita, a maldita, a sozinha.
Mulher, você tem o que celebrar?
O que te sobra, Mulher?
Pêlos, problemas, pênis.
Consegue se olhar no espelho?
Sem chorar?
O que lhe falta, Mulher?
Um nome? Um registro de nome?
O que te sobra, Mulher? Além de dor?
Você é a própria sobra?
Quem te levanta, Mulher?
Somente você mesma.
*
O Cântico dos Cânticos
Minha pele banhada em rosas vermelhas, sim.
Um beijo melhor que o vinho, sim, escorrendo suavemente sobre meus lábios de flor de maio;
Enquanto seus sussurros pingavam em minha pele, feito gotas de orvalho nas pétalas, meus cabelos dançavam em volta de seu pescoço como brincos de princesa, sim;
Uma nova flor ganhou vida em minhas mãos,
E se abriu para que passeasse entre meus seios
com misticismo;
Ele me olhava nos olhos e dizia: “minha flor da montanha”.
E eu permiti que ele sentisse cada néctar e arrepio do meu corpo.
Sua flor, da raiz para dentro da carne,
E dentro, e dentro,
Dentro do meu jardim secreto,
Sobre uma grama verde que fizemos de cama, sim;
Ele cavalgava pelos lírios abertos, no ato mais sublime, como a terra e a água que se encontram e se acariciam, sim;
Feito jasmins na primavera, recebendo a brisa fresca de outubro, assim eram os nossos corpos,
Sim… Nossos órgãos vivos como antúrios em direção ao sol.
Fizemos de nossos corpos taças, onde nunca falta o vinho, sim.
Conforte-me com maçãs, pois estou desmaiando de amor.