Quatro poemas de Carlos Orfeu
Carlos Orfeu nasceu em Queimados, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Publicou Nervura (2019) e Invisíveis Cotidianos (2020), ambos pela editora Patuá; e Ramagem Pulmonar (2021) pela Editora Poesia Primata.
Os poemas abaixo são inéditos.
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aos pedaços
uma cabeça: um braço esquerdo: uma perna direita:
você não recorda em qual guerra e tempo seu corpo
começou a ser mutilado: às vezes o único nome que vem
à sua memória é o daquela espiã argentina que você fez
um esforço para ser um esquecimento
nada mais que um esquecimento
você já se perguntou quantos nomes se tornaram vento
para a perna que ainda lhe resta: caminhe
atrás dos seus ombros: pequeno movimento das árvores
cinzentas: pássaros cortam o espaço com o voo:
prédios perduram em pé e furam o céu vermelho
olhe para você: suas muletas mal suportam
o peso de sua mutilação sejam elas suas angústias
fantasmas: gritos cravados na sua carne
você olha os rostos que caminham
aos pedaços : crianças muitas crianças
esboçam um sorriso: correm e esbarram
em seu corpo: às vezes você lembra de sorrir
*
poça de água
na poça de água
o cílio perdido
cort-
ando ao meio
o diálogo
entre o prédio
e o velho poste
-mastigando-
o que resta
de luz
*
ausência
outra
paisagem
na retina
à deriva
o abismo
de voltar
à casa da
mesma
ausência
*
fotografia
guardar:
a duração
de um olho
no olho
o calor
fotografado
de um abraço
no escuro
do desespero