Quatro poemas de Cláudia Arcenio
Cláudia Arcenio é mulher preta, mãe, esposa, professora, escritora, elaboradora de livros didáticos, compositora e poetisa.
Iguaçuana, nasceu e cresceu na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.
Doutora e Mestre em Educação Contextos Contemporâneos e Demandas Populares pela UFRRJ. Especializada em Alfabetização e Letramento e graduada em Letras e Pedagogia.
Os poemas abaixo integram o livro Entre ventos e paragens (Editora Patuá, 2023).
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QUILOMBOLA
Eu perdida no mundo
Ser (in)visível
Que transcende o acaso.
O olho, a terra, o vento,
O som dos meus ancestrais.
No cabelo, na fronte, na face:
Histórias de muitas vidas desiguais.
O vento leva a mensagem,
Nos olhos, transborda a coragem
De mais uma vez lavrar a terra
com as mãos.
E a terra lembra quem sou:
Perdida no mundo,
Levada pelo vento,
Sementes de um tempo
que não volta mais.
*
O CORPO DELA
Meu corpo público,
Corre pelo mundo,
Nas fotos,
Nos braços,
Nos leitos,
Nos artefatos.
Dizem ser exaltação da beleza,
Mas, as curvas da grandeza
Exalam o cheiro
da escravidão ancestral.
Esse corpo que habito,
Público.
Irrestrito.
Sofre mais delitos
Pela pele
Pela curva
Pelas marcas de uma cultura
Que fez dele um corpo
Sem alma
e sem voz.
*
NOTÍCIA DE JORNAL
Eram dez da noite,
Quando todos se abaixaram
E as paredes não tinham
força,
Nem pararam
Os tiros de fuzil.
É guerra
Urbana.
Deita em sua cama,
Deixa a vó te embalar.
*
LIBERDADE
Quem diria
Que o preço da carta de alforria
Era eu mesma que ia pagar?
Liberdade,
Em quais espaços desta terra,
você está?
Nem todos os territórios
são irrestritos
para esse corpo que habito
Seja o preço do que é pretérito,
Seja o espanto,
o estigma
E o preconceito
que escorrem pelo olhar
Liberdade,
Em quais espaços desta terra
você está?
Nem que seja preciso
Fazer um quilombo
Bem no meio dessa nova velha sociedade
Liberdade