Quatro poemas de Elisa Pereira
Elisa Pereira, 43 anos, é poeta, escritora, gestora ambiental, educadora, praticante da escrita poética. É nascida em Belo Horizonte, MG, e atualmente vive em Paraty/RJ. Foi ganhadora em 2º.lugar do Prêmio Nacional de Literatura (Ed. 2016)/Poesias Carlos Drummond de Andrade/SESC-DF com o poema, “Memórias da Pele”; Finalista no V Certame Literário – Poemas para La Mujer –Conocimiento e Innovación Intercultural A. C.”Armando Hart Dávalos”-México,(2017) com o poema: Niña o Mujer , tem uma poesia na Coletânea Um Girassol nos teus cabelos (poemas para Marielle Franco), uma parceria Quintal Edições e Mulherio das Letras (2018), Participou da 2ª.Edição da Revista Empodere (2018)_ Editora Grupo Empodere em coprodução com a poesia Canto de Liberdade, seu livro de estreia Memórias da Pele, publicado pela Chiado Books, foi lançado em maio de 2018.
***
Tantas Carolinas,
Tantas Marias,
todas de Jesus,
mas eu, não.
Nasci comendo o pão
que o diabo amassou e
nas horas vagas, eu catava
latinha.
A vida quando sorriu para mim,
mostrou logo todos os dentes,
e eu quase morri de fome.
A culpa deve ser das estrelas,
que eu tenha passado nesse mundo
carregando todo o peso dele nos ombros.
Talvez Clarice saiba ou, quem sabe,
Drummond explique:
Por que a miséria tem cor e a fome escolhe
a quem ferir com tanto rigor?
Faz um século que morri,
mas existem outras mulheres
que navegam a deriva nessa vida.
Reze por elas , Carolina,
para que sejam salvas todas as Marias.
___
Hoje me sinto dividida,
entre ser menina ou ser mulher.
O espelho insiste em dizer que envelheci
mas dentro em mim acabo de nascer.
Uma vida repentina despertou meu ser,
só sei que quero e quero querer viver.
Sim tenho medo, mas agora ele me serve de arreio,
pra que eu possa ir mais longe.
Se for pra ser mulher,
quero ser mulher de asas e traçar meus voos
em direção ao desconhecido
Se for pra ser menina,
quero ser menina doce e viver de amores.
Decido ser hoje, o que nunca fui,
menina livre,
mulher por inteiro.
___
É que às vezes eu me entrego
assim feito água, quando se derrama
na cachoeira,
e vou deslizando em meio às pedras,
ora batendo de forma violenta,
ora acariciando o que não aceita carícias.
Apesar de parecer que desço sem rumo,
no fundo, desde o início, quando
deixei a nascente, já sabia onde ia chegar,
é que às vezes eu esqueço
me lanço em desespero descendente,
e me perco no silêncio das matas fechadas.
Eu nasci pra isso,
pra descer as montanhas,
e circular pelos vales, abrindo caminhos,
buscando passagens.
Sei que desço,
feito lágrimas no rosto de criança.
Meu destino?
É desaguar no oceano.
Agora eu sou o vento,
soprando as árvores,
sussurrando poemas
aos ouvidos do mundo.
Vento que no auge da sua força
é uma brisa suave e,
no furor da sua fraqueza,
uiva sobre as colinas solitárias.
Vento que toca uma doce canção,
convidando o dia e a noite pra dançar
na solidão.
Vento que leva e traz vida,
que movimenta as nuvens no cais,
distribuindo sonhos,
alimentando segredos.
___
Filha, se os homens enlouquecerem e desprezarem sua própria humanidade se vista de poesia!